quarta-feira, 30 de outubro de 2019
terça-feira, 29 de outubro de 2019
FESTA DE TODOS OS SANTOS-Ano C
FESTA DE TODOS OS SANTOS
03 de Novembro de 2019
Evangelho
- Mt 5,1-12a
- TODOS OS
SANTOS-Ano C-Mt 5,1-12a -José Salviano
Naqueles tempos, acreditava-se que
a riqueza era um prêmio de Deus, enquanto que a pobreza era um castigo do Pai
pelos pecados cometidos pelo indivíduo.
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Vocação: ser santo!
A
nossa vocação é para a Santidade! É o que nos atesta são Paulo: “Foi assim que
n'Ele nos escolheu antes da constituição do mundo, para sermos santos e
imaculados diante dos seus olhos” (Ef. 1,4). “Esta é a vontade de Deus: a vossa
santificação” (1Tes. 4,3).
A
Igreja convida-nos hoje a pensar naqueles que, como nós, passaram por este
mundo lutando com dificuldades e tentações parecidas às nossas, e venceram. É
essa grande multidão que ninguém poderia contar, de todas as nações, e tribos,
e povos, e línguas, como nos fala são João em Ap. 7,2-14. Todos estão marcados
na fronte, revestidos de vestes brancas, lavados no Sangue do Cordeiro (Ap.
7,4) A marca e as vestes são símbolo do Batismo, que imprime no homem, para
sempre, o caráter da pertença a Cristo, e a graça renovada e aumentada pelos
sacramentos e pelas boas obras.
Hoje
festejamos e pedimos ajuda à multidão incontável que alcançou o Céu depois de
ter passado por este mundo semeando amor e alegria quase sem terem consciência
disso; recordamos aqueles que, enquanto estiveram entre nós, se ocuparam talvez
num trabalho semelhante ao nosso: empregados de escritório, comerciantes,
empregadas domésticas, professores, secretárias, trabalhadores da cidade e do
campo… Lutaram com dificuldades parecidas às nossas e tiveram que recomeçar
muitas vezes, como nós procuramos fazer.
Todos
fomos chamados a alcançar a plenitude do Amor, a luta contra as nossas paixões
e tendências desordenadas, a recomeçar sempre que preciso, porque “a santidade
não depende do estado – solteiro, casado, viúvo, sacerdote – mas da
correspondência pessoal à graça que a todos nos é concedida” (são Josemaria
Escrivá). A Igreja recorda-nos que o trabalhador que todos as manhãs empunha a
sua ferramenta ou caneta, ou a mãe de família que se ocupa em seus trabalhos
domésticos, no lugar que Deus lhes designou, devem santificar-se cumprindo
fielmente os seus deveres.
Hoje,
fazemos nossa a oração de santa Teresa, que ela mesma escutará: “Ó almas
bem-aventuradas, que tão bem soubestes aproveitar e comprar herança tão
deleitosa…! Ajudai-nos, pois estais tão perto da fonte; obter água para os que
aqui perecemos de sede”.
Nós
somos ainda a Igreja peregrina que se dirige para o céu; e, enquanto
caminhamos, temos de reunir esse tesouro de boas obras com que um dia nos
apresentaremos a Deus. Ouvimos o convite do Senhor: “Se alguém quer vir após
Mim…” Todos fomos chamados à plenitude da vida em Cristo. O Senhor chama-nos
numa ocupação profissional, para que ali o encontremos, realizando as nossas
tarefas com perfeição humana e, ao mesmo tempo, com sentido sobrenatural:
oferecendo a Deus, vivendo a caridade com os nossos colegas, praticando a
mortificação de um trabalho perfeitamente terminado, procurando já aqui na
terra o rosto de Deus, a quem um dia veremos face a face.
“Para
amar a Deus e servi-Lo, não é necessário fazer coisas estranhas. Cristo pede a
todos os homens, sem exceção, que sejam perfeitos como o seu Pai celestial é
perfeito (Mt. 5,8). Para a grande maioria dos homens, ser santo significa
santificar o seu trabalho, santificar-se no seu trabalho e santificar os outros
com o seu trabalho, e assim encontrar a Deus no caminho da vida” (São Josemaria
Escrivá).
O
que fizeram essas mães de família, esses intelectuais ou operários…, para
estarem no Céu? Pois bem, procuraram santificar as pequenas realidades diárias!
E é isso o que temos de fazer: ganhar o Céu todos os dias com as coisas que
temos entre mãos, entre as pessoas que Deus colocou ao nosso lado.
Encontramo-nos
a Caminho do Céu e muito necessitados da misericórdia do Senhor!
No
Céu espera-nos a Virgem Maria, para estender-nos a mão e levar-nos à presença
do seu Filho e de tantos seres queridos que ali nos aguardam.
mons. José Maria Pereira
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Alegremo-nos
todos no Senhor, celebrando a festa de todos os santos. Conosco alegram-se os
anjos e glorificam o Filho de Deus”
Ao se aproximar o final do ano
litúrgico, a Igreja oferece-nos momentos especiais para a meditação do que
há-de vir. Neste mês de novembro, especialmente, três solenidades marcam este
momento: a celebração de Todos os Santos, a solenidade de Fiéis e, ao final do
mês, Cristo Rei. São três instantes marcantes: a celebração da Igreja
Triunfante, a da Igreja Padecente e o triunfo de Nosso Senhor ao final dos
séculos.
No Brasil, por especial concessão da
Santa Sé, as festas de guarda são permitidas transferirem sua celebração para o
domingo seguinte, quando caem durante a semana.
Envolvido pela grandeza desta
solenidade, vem-me à lembrança as palavras de um pregador que fascinaram-me na
infância, povoando minha imaginação com aquela homilia fenomenal: “Hoje o céu
assume a terra. A terra assume o céu. A Igreja militante neste mundo se une à
Igreja padecente do purgatório para glorificar e louvar a Igreja triunfante do
céu, na presença da Trindade Santíssima”.
Com estas lembranças que enchem a minha
alma de doce saudade e esperança cristã, celebramos a festa do José, da Maria,
do Antônio, do Pedro, da Conceição, santos da terra unida à multidão de santos
consagrados e anônimos, como Ambrósio, Inácio de Loyola, Pedro e Paulo, Bento,
Atanásio, Clara, Rita de Cássia, Teresa de Jesus, Teresa do Menino Jesus,
Paulina, José, Anchieta, Camilo de Léllis, Affonso de Ligório, Escrivá, Hurtado,
Antônio de Pádua, Geraldo Majela, Antônio Galvão e tantos outros santos de
nossa devoção que nos ensinam o cotidiano da vida cristã, rumo à Jerusalém
Celeste.
Celebramos hoje as três dimensões de
nossa vida cristã: a vocação à santidade futura no céu; a santidade do passado
– daqueles que nos precederam na visão beatífica - e celebramos a santidade
gratuita de Deus na nossa caminhada neste vale de lágrimas rumo ao Absoluto.
A Mãe Igreja nos convida hoje para
celebrar os seus filhos, os canonizados e os não canonizados, os conhecidos e
os desconhecidos, os que morreram em defesa da fé, como mártires, e os que
também tombaram confessando com fidelidade a nossa fé. Celebramos todos os
santos que uniram fé e práxis de vida comunitária, testemunhando Jesus
Ressuscitado na sua realidade e em seu estado de vida.
Mas por que celebrar os santos do céu e
da terra? Porque todos nós somos convidados à vida de santidade atendendo ao
mandato bíblico: ”Vivei a santidade, santificando uns aos outros, porque Deus,
o Poderoso, é o Santo dos Santos”.
A santidade é um caminho espinhoso.
Combatendo o bom combate, todos são convidados a trilhar este árduo caminho,
especialmente a partir da dimensão comunitária, a dimensão paroquial, de
engajamento no projeto de evangelização, para aproximar-se mais e mais da
plenitude da eternidade, no amor de Deus.
O Evangelho desta festa é a doce
alegria cristã das Bem-aventuranças (Mt. 5,1-12a). Bem-Aventuranças que é o
programa, o ideário, o caminho ideal para se alcançar a santidade de estado e
de vida. A santidade ela é uma conquista, é a vitória no “combate espiritual”
que pugnamos no dia-a-dia, sempre tendo presente que a santidade provém de
Deus.
E como a santidade chega aos homens?
Com a encarnação do Redentor, pela sua morte na Cruz, pela remissão dos pecados
de todo o gênero humano, homens e mulheres devem se espelhar neste maravilhoso
evento onde se haure a santidade divina.
As bem-aventuranças, apresentadas na
Liturgia da Palavra, devem ser consideradas como o caminho da felicidade. A
CNBB nos convida, com as Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil,
a reler este Evangelho como caminho de santidade, lançando as redes em águas
mais profundas, atentos à exortação do saudoso Pontífice João Paulo II: “Duc
in altum!”.
Mas, queridos irmãos, o que é ser
santo? O Concílio Vaticano II nos ensina que, considerando a vida daqueles que
seguiram fielmente a Cristo, “somos incitados a buscar, por novas motivações, a
cidade futura e, simultaneamente, instruídos sobre o caminho seguríssimo pelo
qual, entre as vicissitudes do mundo, segundo o estado e a condição de cada
qual, podemos chegar à perfeita união com Cristo, ou seja, à santidade”.
Ser santo, portanto, é seguir e imitar
os exemplos, palavras e obras de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ser santo é ser
pobre, no sentido de desprendido dos bens do mundo, e ávido pelos bens do céu,
aberto aos excluídos sob todos os aspectos, aos famintos da graça divina, ao
mendigos da misericórdia de Deus. Ser santo é acolher e perdoar. Ser santo é ser
pacífico, é ser generoso, é ser caridoso, é ser acolhedor, é chorar com os que
choram, é dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede. Ser santo é
tirar o seu agasalho e agasalhar a quem tem frio e está no relento.
Num mundo tão cruel, com tanta fome,
tanta miséria, tanta guerra, tanta violência, tanto desentendimento, a exemplo
dos santos e santas que a Igreja no-los apresenta, devemos anunciar o Evangelho
da acolhida, do amor, do perdão e da multiplicação de dons e bens.
O convite para lançar as redes nas
águas mais profundas é o comovente convite para a busca incessante da
santidade. Todos, pecadores e santos, somos convidados, porque Deus conhece os
nossos corações e nos chama à conversão. Somos convidados a ser santos, santos,
santos e cada vez mais santos e imaculados. A vocação universal dos cristãos é
a santidade: “Sede santos, como o Pai celeste é santo” (Mt. 5,48).
A santidade é o doce chamado desta
liturgia sagrada. Uma santidade que começa na família, na comunidade, na
Paróquia, entre os amigos, no trabalho, enfim, que permeia a vida como um todo.
A santidade não é inatingível, porque ela deve ser vivenciada nas coisas
simples, nas coisas comuns, no cotidiano da vida cristã, procurando viver os
mandamentos cristãos com grande e eloqüente simplicidade, em íntima sintonia
com a Santíssima Trindade.
Ao mirarmos a imagem dos santos – ao
contrário do que os injuriosos e incompreendidos dizem que adoramo-las –
recordamos os exemplos edificantes de vida desses paradigmas de vida cristã, de
constante sintonia com o Deus Trindade, e inspirados neles traçamos nossa
caminhada rumo ao definitivo, à visão beatífica de Deus.
Ter a um santo ou a uma santa como
intercessor junto de Deus é como olhar o porta-retrato do pai ou da mãe no
criado-mudo da cama e passar a mão naquela fotografia que nos relembra a pessoa
querida e nos interpela a ser santo ou a evangelizar como aquela pessoa, cuja
ausência se torna uma presença pelo amor que lhe devotamos.
Adoramos o Deus Trindade. Veneramos
nossos santos e a Virgem Maria, presença forte, determinante, inspiradora para
todos os cristãos. Afinal, quem não se ufana da Mãe que tem? Sem o amor
sacrossanto do papai com a mamãe, não estaríamos hoje aqui. Por isso, veneramos
nossos santos, como nossos pais, como nossos motivadores para a santidade de
vida.
A segunda leitura (1Jo. 3,1-3) desta
solenidade proclama nossa atual santidade, por sermos filhos de Deus e templos
do Espírito Santo, embora ainda não seja manifesto o que “seremos” após o
Juízo, de acordo com a nossa caminhada de fé. Por isso, celebramos hoje,
também, a Igreja Militante, que caminha neste mundo, com suas alegrias e
misérias, sob a inspiração da Igreja Triunfante, com muita vontade de lançar as
redes em águas mais profundas, em busca da santidade que nos envolve e nos
eleva: “Duc in altum”.
A tudo isso se une a primeira leitura,
com a visão antecipada do Apocalipse sobre a plenitude de todos aqueles que
aderiram a Deus. Quem aderiu a Deus participará das núpcias do Cordeiro, como
eleitos.
Eis, pois, como todos somos convidados
a santidade. Nós, Igreja militante, com homens e mulheres do povo sofrido,
somos convidados a caminhar rumo à Igreja Triunfante, na firme certeza de que a
santidade é a meta básica da vida cristã. É preciso ser santo: isso é o principal!
O resto é conseqüência do amor gratuito de Deus pelos homens.
A santidade é a perfeição de vida que
se conquista no dia-a-dia, com altos e baixos, momentos de alegria e momentos
de tristeza. Nossa grande esperança, a armadura que com que nos revestimos
confiante nessa batalha, é a cruz que venceu o medo, o pecado e a morte, o
capacete da vitória cristã.
Em tudo isso está a frase que marcou o
meu cristianismo: “Enquanto o mundo, gira a cruz permanece de pé! Cruz da
vitória da morte sobre o pecado. Cruz da vitória de Deus contra a soberba.
Cruz, sofrimento diário que abre as portas do céu”.
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“Alegremo-nos
todos no Senhor, celebrando a festa de todos os santos. Conosco alegram-se os
anjos e glorificam o Filho de Deus”.
A festa de Todos os Santos abrange os
três momentos do tempo, além da dimensão universal do espaço. De fato,
celebramos os justos do passado, celebramos a vocação à santidade futura – o
“céu” – e celebramos a santidade como dom - graça – presente.
Como esta dimensão presente é a em que
menos se pensa quando se fala de santidade, achamos que ela merece uma atenção
especial: é a mensagem das Bem-Aventuranças, no Evangelho que hoje refletimos.
As Bem-Aventuranças devem ser entendidas como uma proclamação da chegada do
Reino de Deus para as pessoas que vão ficar felizes como isso. São, ao mesmo
tempo, a proclamação da amizade de Deus para aqueles que participam do espírito
que é evocado por oito exemplificações, e um programa de vida para todos os que
escutam a palavra de Cristo. Este programa de vida já entra em ação desde que
alguém se torna discípulo de Jesus: os que estão realizando este programa já
são “santos”. Por isso, este evangelho foi escolhido para a festa de hoje.
Jesus proclama a bem-aventurança – a felicidade, o bom encaminhamento, a boa
venturança dos pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus, ele não
quer dizer o além da morte – uma recompensa futura pela carência na terra – mas
a realidade presente. Reino dos Céus é uma maneira semítica de dizer Reino de
Deus. E o Reino de Deus começa onde se faz à vontade de Deus, como aprendemos
do Pai-Nosso, que Jesus ensina em seguida. Se entendêssemos as Bem-Aventuranças
somente como uma compensação para depois da morte, elas seriam “ópio do povo”.
Mas o contrário é pura realidade: elas são um verdadeiro incentivo para
realizar, aqui e agora, o novo espírito, que traz presente o Reino de Deus
entre nós, na nossa comunidade de fiéis.
Somos filhos de Deus. Somos criados à
imagem e semelhança de Deus. Assim somos hoje chamados a contemplar à cidade
santa do céu, habitada por milhões e milhões de homens e mulheres, de todas as
raças, línguas e tempos, que glorificam a Santíssima Trindade e gozam da mais
perfeita e íntima comunhão de amor e vida divina como Senhor: aqui está o
conceito mais perfeito e exato da Festa de todos os santos canonizados e
anônimos que hoje celebramos. É uma festa de louvor perene e de doce esperança.
De louvor a Deus que, aceitando-nos como filhos e filhas, nos tornou herdeiros
do céu, da bem-aventurança eterna. De esperança, porque, apesar das tentações,
dos pecados da vida terrena, temos um destino, um viés de eternidade.
Celebramos os nossos santos, os que nos
precederam rumo ao céu. Mas celebramos, sobretudo, o caminho de santidade dos
santos e santos e o nosso caminho para esta santidade de vida e de estado.
Celebramos a santidade em dois
caminhos. O primeiro caminho é a santidade aqui e agora. Porque já agora somos
filhos de Deus, como nos ensina a segunda Leitura retirada da 1 Carta de João
3,1-3: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se
manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos
semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é!”. (cf. 1 Jo 3,2). Sim,
veremos Jesus tal como ele é. Por isso neste mundo nós devemos ser como Jesus
é: pobres de espírito, pacíficos, aberto aos aflitos, àqueles que procuram a
justiça, porque assim seremos santos aqui e agora.
O segundo caminho é o caminho que
coincide com a nossa irmã Morte: vamos caminhando ao encontro do Cristo
Misericordioso. A morte é o aguilhão da vida plena. Não é castigo ou muito
menos motivo de desespero, é o encontro definitivo como Cristo. Por isso é
necessário estarmos preparados. É o Momento do Encontro com o Cristo Juiz
Misericordioso e Compassivo. Os santos passaram por essa porta estreita. Por
isso vêem a Deus tal como ele é e são nele transfigurados (cf. 1Jo 3,2). Também
nós o veremos como ele é e seremos nele transfigurados, quando, pela morte
biológica, nasceremos para a eternidade. Por isso a vida não é tirada, mas sim
transformada.
Na primeira leitura(cf. Ap 7,204.9-14),
entre as visões das catástrofes do fim do mundo, surge a visão da glória dos
eleitos, fruto da salvação que vem “de nosso Deus... e do Cordeiro”(cf. Ap
7,10). Por seu sacrifício, o Cordeiro venceu a morte. Desta vitória participam
os que, especialmente no sacrifício do martírio, “branquearam suas vestes no
sangue do cordeiro”. Não o número dos eleitos é o que esta leitura quer
mostrar, mas a vitória sobre as forças do mau que se opõem a Cristo e a sua
comunidade.
Hoje o Evangelho (cf. Mt. 5,1-12)
propõe as Bem-Aventuranças do Sermão da Montanha. Este Sermão é o Retrato do
Senhor Ressuscitado. Um ideal ao nosso alcance, não a ser alcançado pelos critérios
humanos, mas pela graça santificante, pelo auxílio do Cristo, pela abertura de
nosso coração e de nossa alma ao Salvador. Assim, os santos foram capazes de se
enamoraram pelas bem-aventuranças e de crerem que seriam capazes de medir a sua
vida por elas, ora ressaltando uma, ora se penitenciando para alcançar outra
bem-aventurança.
A felicidade de Jesus é bem diferente
da felicidade passageira deste mundo. O mundo nos reserva o ser, o poder e o
prazer que são transitórios. A felicidade que Jesus prega envolve o passado,
porque se enraíza na doutrina que ele deixou; o presente, porque é dinâmica e
exigente; e o futuro, porque é à base do Reino dos Céus, que começa aqui e
plenifica-se na eternidade.
As criaturas, ou seja, todos nós seus
filhos, fomos criados para a eternidade, não para a desgraça. O desejo de
felicidade é para todos. A plenitude da felicidade depende da vivência feliz
nesse mundo, porque o Reino dos Céus começa e se constrói na vida presente.
Jesus de Nazaré é o modelo de quem viveu na terra a plenitude das
bem-aventuranças. Por isso é ele também o modelo da felicidade eterna.
As bem-aventuranças são o espelho
daquilo que o verdadeiro discípulo deve ser. O discípulo é construtor do Reino,
mas, antes de agir, ele precisa se caracterizar e qualificar. Daí Jesus exigir
qualidades. Elas serão condição e roteiro ao mesmo tempo. Ponto de partida e
ponto de chegada. No mesmo sentido de quando dizemos que caminhamos para Deus.
Só caminha para Deus quem parte de Deus.
As três primeiras bem-aventuranças
propõem a libertação da criatura humana de três grandes empecilhos: o apego ao
dinheiro, a soberba da auto-suficiência e o preconceito de que só é feliz quem
não sofre dificuldades. Aos três obstáculos, o Senhor contrapõe o espírito de
pobreza, a mansidão e serenidade nas lágrimas.
Se as três primeiras bem-aventuranças
asseguram-nos independência, desapegando-nos das coisas, libertando-nos da
soberba que gera violência, e pondo-nos dentro da realidade conflituosa de cada
dia, as outras cinco estão voltadas para a ação e, no seu conjunto, perfazem a
grandeza do homem novo: justiça, misericórdia, pureza de intenção, paz,
paciência. Não há misericórdia sem justiça. Não há paz para quem lavra na
falsidade. A paciência é a força histórica do povo de Deus que espera a
realização do Reino, não de braços cruzados, mas na atividade da construção da
paz e da justiça.
O Reino de Deus identifica-se na pessoa de Jesus e
com a pessoa Dele. E Jesus continua presente no meio de nós (cf. Mt. 28,20),
como confessamos em todas as missas. Esta é a festa em que unimos as três
dimensões da Igreja: a Igreja militante, padecente e triunfante. A Santidade é
participar da vida de Deus, que é "o Santo". E sendo nós pecadores,
supõe um processo de conversão permanente. Para ser santo, Cristo nos deixou
alguns meios: como Os Sacramentos, a Igreja, a Oração, a Palavra de Deus.
Acolhamos o Apelo de Deus à Santidade e que os Santos sejam nossos modelos e
intercessores.
padre Wagner Augusto Portugal
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Epístola: 1Jo 3,1-3
Neste trecho o apóstolo exorta a uma
vida santa, em geral, e, em particular, a cultivar o amor fraterno. A primeira
consideração tem como base a adoção como filhos por parte de Deus que quer ser
pai, coisa não conhecida no mundo, que sempre pensa nos seus deuses como
senhores temidos e vingativos. Essa é a doutrina que vamos examinar neste
domingo. Suas conseqüências são a vida santa aqui na terra e a
esperança de participar da vida divina no definitivo Reino dos céus.
O AMOR DO PAI. Vede que classe de amor nos concedeu o Pai, de modo
que sejamos chamados filhos de Deus; por isso, o mundo não vos conhece porque
não o conheceu (1)
QUE CLASSE: o grego significa que
espécie, que classe, maneira ou estilo, muito mais do que grande da RA da
versão evangélica portuguesa, ou que gran amor da espanhola. O apóstolo nos
fala a considerar com admiração e assombro e observar um amor sem comparação e
uma mercê sem medida.
AMOR é a palavra própria para o amor de
Deus, usada também para o amor entre amigos ou amor de um pai para com seus
filhos. O PAI: Era o Pai de Jesus Cristo (Rm. 15,6), mas enviando ao nosso
coração o Espírito de seu Filho, que clama Abba, já não somos escravos, porém
filhos; e, como filhos, herdeiros por Deus (Gl. 4,7). Assim, dirigindo-se aos
romanos, Paulo os saúda com estas palavras: amados de Deus, chamados santos:
Graça e paz tenham de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo (Rm. 1,7). A
diferença entre um cristão e Cristo é que este é o amado (Mt. 3,17 e Mc. 12,6),
o primogênito (Rm. 8,29), e até unigênito (Jo 1,14) por estar unido
pessoalmente à divindade.
CHAMADOS: em termos bíblicos é o mesmo
que ser, pois este verbo não se usa em hebraico. Um exemplo: Gabriel fala a
Maria: será grande, será chamado Filho do Altíssimo (Lc. 1,32). A Vulgata
acrescenta et sumus [e somos] indicando o sentido verdadeiro
do klëthömen [chamados].
O MUNDO: o kosmos grego é inicialmente
ordem, ou uma disposição e medida ordenada; também o Universo, cuja ordem e
disposição tanto admiravam os filósofos gregos. Finalmente, a terra e seus
habitantes. Especialmente o conjunto da multidão, oposta aos planos divinos e
especialmente ao cristianismo, como é este caso.
NÃO VOS CONHECE. Esse mundo que foi
feito pela palavra [Logos] e o mundo não a conheceu (Jo 1,10). E assim como não
conheceu o Filho, era impossível que conhecesse os filhos, já que estes eram
tais por serem filhos no Filho, pois deu aos que O [logos] receberam o poder de
serem filhos de Deus, não por meio da carne, mas porque creem no seu nome, os
quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem,
mas de Deus (Jo 1,12-13). Paulo em Gl 4,6, explicará que a obra de Deus é a
entrega do Espírito e não um simples documento, decreto ou declaração, como
afirmava Lutero, já que não admitia a graça santificante. Nem basta a fé só
para ser filho de Deus, pois pode ser uma fé morta, como afirma Tiago na sua
epístola (2,17; 20 e 26).
NÃO O CONHECEU: O mundo não conheceu o
verdadeiro Deus como Pai, e, portanto não pode reconhecer os filhos. E também
não conheceu Jesus como Filho, quanto menos poderia reconhecer os cristãos como
filhos de Deus.
A MANIFESTAÇÃO. Amados, agora somos filhos de Deus e ainda não
apareceu que seremos; sabemos, porém que se se manifestar seremos semelhantes a
ele porque o veremos como é (2).
AMADOS: era o título com que Paulo se
dirige aos cristãos de Roma: amados de Deus, chamados santos (Rm. 1,7), Com
este mesmo epíteto João se dirige aos cristãos aos quais escreve suas três
cartas.
NÃO APARECEU: Como João afirma no
prólogo de seu evangelho, donde o Verbo foi visto com a glória do unigênito,
cheio de graça e verdade (1,14). Logicamente, a graça é o conjunto de poderes
divinos; e a verdade, como quem sabe as coisas de Deus; pois do céu veio e
assim podia falar das coisas que ele viu (Jo 3,13). Por isso podia dizer
testificamos o que vimos (Jo 3,11). Nem o mundo pode ver o que somos nem nós, a
exceção de poucos casos místicos, sabemos o que somos. Paulo tem uma fórmula
válida para todo cristão: Cristo vive em mim (Gl 2, 20) e o afirma dizendo que
nosso corpo é membro de Cristo (1 Cor 6, 15). Poucos são cientes destas
verdades que se MANIFESTARÃO e então veremos o que realmente somos. Veremos-nos
e atuaremos como realmente filhos, porque VEREMOS DEUS como ele é: um Pai que
ama seus filhos. E então viveremos conformes à imagem de seu Filho, o unigênito
entre muitos irmãos (Rm. 8,28). Como disse o próprio Jesus, sua vida era viver
conforme a vontade do Pai, pois os que tais fazem serão os únicos que entrarão
no Reino (Mt. 7,21), o que, de outra forma parte da oração comum, em que
pedimos seja feita a vontade divina na terra, assim como ela é feita nos céus
(Mt. 6,10). Por isso, Jesus passou a sua vida fazendo o bem (10, 38) motivo
pelo qual temos sido feitos por Deus.
A PURIFICAÇÃO. E todo aquele que tem essa esperança nele
purifica-se, assim como ele é puro (3).
PURIFICA-SE: é um verbo que significa a
purificação cerimonial para exercer um serviço de culto. É a palavra usada em
At. 21,24 quando Paulo deve se purificar junto com quatro varões, rapando a
cabeça como cumpridor da Lei do nazerato. Corresponde ao nezer de Nm. 6,8, em
que durante todos os dias do voto estava o separado como sagrado para o Senhor.
Por isso não podiam cortar o pelo, nem beber nada que fosse fermentado. Era um
homem consagrado a Deus. É o verbo agnizö o usado para
purificar o coração ou mente em Tg. 4,8: vós de duplo ânimo purificai os
corações, ou em 1Pd. 1,22: purificando vossas almas pelo Espírito na obediência
à verdade, para o amor fraternal, não fingido: amai-vos ardentemente uns aos
outros com um coração puro. É o que Jesus disse numa das bem-aventuranças:
bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus (Mt. 5,8). A Vulgata
traduz porsanctificat, cujo significado é de sacer [sagrado]
e significa o mesmo que agiosgrego, ou seja, próprio da divindade,
uma coisa sem mancha, pura, inviolável, imaculada, sacra.
PURO. A palavra é usada 5 vezes por
Paulo e uma por Tiago, Pedro e João respectivamente. Seu significado é limpo,
sem mancha como em 2Cor. 7,11 ou casto como em 2Cor. 11,2, falando das virgens,
livre de falta, ou limpo de pecado, como 1Tm. 5,22. Falando de Deus é esta
passagem de João que descreve a natureza divina como sem mancha, totalmente
sacra e imaculada. A Nova Vulgata traduz purificat e purus,
que nós temos adotado, sem saber de antemão, tal versão. E imediatamente João
explica os significados, dizendo em contraste: todo aquele que comete pecado
também comete iniquidade porque o pecado é iniquidade, ou podemos dizer
maldade. Desta está livre completamente Deus, de modo que Ele é o único bom
(Mt. 19,17), em que não se encontra pecado ou maldade. Jesus, seu Filho, pode
dizer diante de seus inimigos: quem dentre vós me convence de pecado? (Jo
8,46). Por isso, quem não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós, para
poder castigá-lo e deste modo fazer de nós justiça de Deus nele (2Cor. 5,21).
Atualmente temos um Pontífice que foi tentado como nós, mas sem pecado (Hb.
4,15). O Anticristo é, portanto chamado de homem do pecado (2Ts. 2, 3) sendo do
Diabo que faz o pecado e peca desde o início (1Jo 3,8). Por isso, livres do pecado
somos servos de Deus, tendo como fruto a santificação e, por fim, a vida eterna
(Rm. 6,22). Portanto, não encontramos melhor explicação que citar esses textos
da Escritura que nos colocam em contato com a bondade de Deus, um pai que
jamais faria o mal a seus filhos e que é bondade para perdoar suas
transgressões.
EVANGELHO (Mt. 5,1-12s) - As
bem-aventuranças
Dois evangelistas narram o que se tem
chamado as bem-aventuranças. Mateus como parte do sermão da montanha, pois foi
desta cátedra que Jesus falou (5,1) e Lucas que coloca o pequeno discurso
paralelo numa planície (6,17). Isso indica que a circunstância é redacional,
independente das palavras e ideias a expressar. Também há uma grande diferença
entre as oito ou nove bem-aventuranças de Mateus e as quatro de Lucas. Ambos,
porém usam a mesma palavra makarioi para designar os
contemplados como prediletos do reino. Que significado tinha nos lábios de
Jesus essa palavra e de que ideias hebraicas era tradução, de modo que os
ouvintes a pudessem entender? O grego makáriossignifica tanto
ditoso ou feliz como bendito do verbo makarizo que significa
declarar afortunado. No primeiro caso, indicaria uma situação
determinista da vida mesma, sem ligação com ulteriores fins ou propósitos. No
segundo caso, a palavra tem um conteúdo teológico de modo que implica uma
providência divina que, pelo contraste com o sentir comum dos dirigentes
religiosos, apontava uma nova era completamente revolucionária em perspectivas
religiosas. Esse é nosso caso.
O MONTE. Tendo, pois, visto as multidões, subiu ao monte e
tendo-se ele assentado, se aproximaram dEle seus discípulos (1). Então, tendo
aberto sua boca, os ensinava dizendo (2).
Os comentaristas unem o sermão da
montanha com a entrega da Lei por Javé -Deus no monte Sinai no AT. Oros em
grego, é usado por Mateus como um ambiente paralelo ao lugar em que Moisés
recebeu a lei no Sinai, sendo que o cumprimento do primeiro mandamento
receberia uma gratificação especial para os que fielmente o guardavam (Ex.
20,6). Jesus também, do monte, ensina a nova lei a seus discípulos. Porém,
antes deve escolher o novo Israel, e daí as chamadas bem-aventuranças. Os que
por elas são alcançados serão o novo Israel e, portanto, podem ser designados
como verdadeiramente felizes. Jesus começa, pois, por essa distinção em que
derruba o velho conceito de etnia e descendência como parte para formar a elite
de Jahvé, e contrariamente, suscita um novo modelo de povo de Deus, cuja base é
precisamente o infortúnio material. A eles Jesus abre um novo mundo de
esperanças e felicidade. A lei, para os judeus, não era unicamente o nomos[preceito],
mas também abrangia declarações, propostas e fatos de Deus em relação com seu
povo escolhido. Neste sentido total e amplo, Jesus determina primeiro o âmbito
de seus verdadeiros escolhidos. Logo propõe seus nomoi [preceitos], precedidos
de uma retificação aperfeiçoada da antiga lei: ouvistes que foi proclamado, eu,
porém, vos digo (Mt. 5,21). Como mestre da nova Lei, Jesus adota uma postura
frequente entre os rabinos ou mestres em Israel. Ele fica sentado, tendo seus
discípulos e ouvintes ao seu redor, geralmente de pé, pendentes de suas
palavras. Os rabinos explicavam a lei segundo as tradições [ouvistes que foi
dito], mas Jesus explica a nova Lei como quem tem autoridade para propô-la e
anuncia-la como novidade feliz a um público geralmente esquecido e desprezado.
Constituía a esperança messiânica, já atuando como realidade nova e definitiva.
Finalmente, uma palavra sobre o monte: Realmente, segundo Lucas, Jesus subiu ao
monte para orar durante a noite (Lc. 6,12). Na manhã, escolheu seus doze
discípulos e logo ao descer do monte, se deteve num lugar plano onde a multidão
o esperava para ser curada de suas doenças. Lucas, pois, circunscreve as
bem-aventuranças a uma planície, embora tivesse como fundo o monte do qual
acabava de descer. Também Lucas diz que elevando os olhos aos discípulos dizia
(Lc. 2,20).
AFORTUNADOS: Ditosos (= beati) os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos
céus (3).
A palavra, usada tanto por Mateus como
por Lucas, no início de cada versículo é MAKARIOI, em grego, plural
de Makarios. Logicamente Mateus e Lucas usam a palavra como
tradução de um original aramaico usado por Jesus. Qual é essa palavra e que
significado se encerra na raiz da mesma?
1) No AT: existem no hebraico bíblico
dois verbos com o sentido de abençoar. Um deles é Barak que é
só empregado por Deus no Pile [intensivo ativo] indicando uma ação contínua,
como em Gn. 1,22: E Deus os abençoou dizendo: sede fecundos. Usando a mesma
raiz, Deus abençoou também o dia sétimo. A setenta traduz por eulogesen louvar
ou falar bem, a Vulgata por benedixit, que no inglês é traduzido
por blessed. De barak temos baruk [bendito]
e a palavra beraká [bênção], cujo plural é berakoth.
Todas as berakoth começam com Baruk Ata
Adonai que pode ser traduzido por louvado seja meu Senhor [= Deus]. Os setenta
traduzem baruk [bendito] por eulogetos ou eulogemenos
(Dt. 28,3 +). O outro é Ashar cujo significado primitivo é
avançar; também no pile significa pronunciar feliz e pela primeira vez o
encontramos em Gn. 30,13 em boca de Lia: Feliz, eu [beasheri], porque
chamar-me-ão ditosa [asheruni] todas as mulheres. Nos setenta, os termos em
colchetes são traduzidos por makaria emakarizousin, a
mesma raiz empregada nas bemaventuranças. Não entramos em maiores detalhes. Só
com o dito podemos dizer que barak é a palavra reservada para
a ação divina, quando declara bendita uma pessoa; e asher é a
ação do povo que vê uma circunstância que torna feliz uma vida. Logicamente
essa circunstância provém de Deus como causa principal. (Os números
correspondem aos de Sprong). Os evangelistas têm muito cuidado nas palavras com
as quais escolhem as ipsissima verba Christi e,
portanto, acreditamos que se ambos os evangelistas escolheram makarios como
tradução das palavras de Jesus, este não quis dizer que eram abençoados por
Deus, mas declarados felizes pelos homens. Jesus quer mudar o modo de pensar
dos discípulos para que estes pudessem ver nos pobres, nos aflitos, nos
humildes, nos famintos, uma classe de predileção divina que os tornavam
desejáveis e invejáveis. Jesus, praticamente, na sua primeira lição pública
define a conduta humana diante da pobreza tanto material como espiritual do
mundo que o rodeia.
2) No grego clássico, a palavra makarios
inicialmente significava livre dos cuidados e preocupações de todos os dias. O
significado é afortunado. Assim, a ilha de Chipre é chamada de ‘e makaria [a
afortunada] por ser uma ilha verde e próspera. Homero chama os deuses de ‘oi
makrarioi [os felizardos] em comparação com os humanos que devem
trabalhar para poderem viver. Na linguagem poética, descreve a condição dos
deuses e daqueles que compartilham da existência feliz deles. Aos poucos,
perdeu seu significado original para se tornar num equivalente do nosso Feliz.
Quando acompanhada de tu ou vós, se transforma em bem-aventurado, ou
bem-aventurados, indicando um elogio por parte dos conhecedores do caso. Como
tais, são parabenizados os pais por causa dos seus filhos, os ricos por causa
de suas riquezas, os sãos pela sua saúde, os sábios por causa de seu
conhecimento, os piedosos por causa de seu bem-estar interior, os mortos por
terem escapado à vaidade das coisas. Indica, pois, como motivo, uma
circunstância especial que acompanha uma certa classe de homens e que por esse
requisito podem ser considerados afortunados.
3) No grego bíblico makarios traduz
o hebraico esher [felicidade], ashar[declarar
bem-aventurado], ou asheré [bem-estar]. Vemos o asheré traduzido
por makarios no salmo 2,12: Bem-aventurados todos os que nele se refugiam; ou o
salmo 32,1 e 2: Bem-aventurado aquele…e bem-aventurado o homem a quem o Senhor
não atribui iniquidade. Em ambos os casos makarios é usado
como tradução de asheré. O homem é bendito, e especialmente esta
bênção provém de Deus. No NT é claro que substituímos o asheré hebraico
por Makarios. Makarios aparece 13 vezes em Mateus e 15
em Lucas e apenas duas em João: Bem-aventurados, pois, se praticares estas
coisas (13,17) e Bem-aventurados os que não viram e creram (20,29). No caso de
Mateus, os bem-aventurados não são os discípulos; mas, estando a frase em
terceira pessoa é qualquer um que se encontra em semelhantes circunstâncias. A
estimativa predominante do Reino de Deus leva consigo uma inversão de todas as
avaliações costumeiras. E todos os que compartilham dessa experiência da
chegada do Reino, nas circunstâncias reveladas na frase inicial, serão benditos
por esse dom recebido de Deus de modo gratuito.
4) Mas vejamos as traduções: dichosos ou felices em
espanhol, beati em latim e italiano, fortunate em
inglês, embora a KJ traduzirá Blessed, felizes em português e hereux em
francês. É uma palavra que indica completa satisfação ou felicidade. Todas elas
cumprem as palavras de Dt. 33,29 em que o hebraico asheré é traduzido por
makários e por ditoso: ditoso tu Israel. Quem como tu povo vencedor? Deus
é o escudo que te protege, a espada em marcha que te conduz ao triunfo. Ou o
salmo 144,15: Ditoso o povo que tem tudo isso; ditoso o povo, cujo Deus é o
Senhor. Em Baruc 4,4 temos: Felizes somos Israel, pois podemos descobrir o que
agrada o Senhor.
5) Como conclusão, podemos afirmar que
a palavra grega makários tem o significado de homem cuja vida é invejada por
ser um privilegiado por Deus nos seus planos beneficentes. Em definitivo,
podemos facilmente traduzi-la por BENDITO ou ABENÇOADO. Deus está no meio, por
ser a causa de todos os verdadeiros bens. O Makarioi de Jesus entra, pois, nos
planos divinos, como causa principal ao ser Deus o observador que escolhe seus
eleitos, como declara Maria em seu canto: Exultou meu espírito em Deus meu
Salvador porque ele fixou seus olhos na insignificância de sua escrava (Lc.
1,47-48). Até agora no mundo católico, quase de forma geral, as bem-aventuranças
eram vistas como prêmio oferecido às virtudes dos que mereciam semelhante
elogio. Hoje não são consideradas como recompensa de virtudes, mas como escolha
divina, que, em sua misericórdia, quer favorecer os mais desamparados. Não é a
virtude interior alcançada, que obtém um prêmio, mas são as circunstâncias que
favorecem a ação divina em sua misericórdia. Deste ponto de vista, podemos
enxergar todo o contexto como sendo uma política divina que dá uma reviravolta
na totalidade do pensar e atuar humanos. Jesus, em nome de Deus, como seu
profeta, declara quais deveriam ser chamados de ditosos ou afortunados. Assim
começa a nova economia que inicia uma nova visão do mundo dos sofridos e
desafortunados. Esta situação, no lugar de ser uma situação de infortúnio, ou
um estado aparente de desdita, é, pelo contrário, uma condição de sorte, porque
as riquezas divinas estão à disposição dos que se supõem ter herdado o azar
como condição de suas vidas. Como diria Paulo, na fraqueza é que se manifesta
(mais) o poder [de Deus] (2Cor. 12,9). Por isso, todas as bem-aventuranças
terminam com um porque em que Deus entra como causa ativa, subentendido na
passiva do verbo correspondente, passiva que era praticamente usada só para
atuações divinas. Talvez a melhor tradução seria: Sois abençoados por Deus vós
os…
O ESQUEMA: temos em cada
bem-aventurança uma prótasis [primeira parte de um poema
teatral] e uma apódosis [explicação]. A prótasis ou
primeira parte de cada oração é uma circunstância da vida, independente da
vontade da pessoa respectiva. A apódosis é a explicação do
porquê e como a sorte lhes favorece. Como caso curioso podemos ver que as
quatro primeiras começam com a letra pi em grego: Ptochoi [mendigos], penthountes [chorantes], praeis[mansos]
e peinountes [famintos]. Quando se sabe que a kabala era
característica da interpretação das Escrituras, há uma pequena razão para
pensar que Mateus, legista e intérprete da lei, tivesse alguma razão, por nós
hoje desconhecida, de seguir seus ocultos princípios.
PTÔCHOI: No AT ptochos aparece
perto de 100 vezes e são a tradução de 7 palavras hebraicas:
1) `anav é sinônimo de
humilde, especialmente quando em forma adjetivada acompanhado de Jahvé. Com seu
número de Sprong aparece 24 vezes, especialmente nos salmos e em Isaías, a
começar por Moisés que é declarado o mais humilde, ou mais manso dos homens
como traduz a Vulgata. O anav desse número é geralmente
traduzido por prays [manso](12), penes [pobre]
(11) etapeinós [baixo] (1). Na vulgata, temos mites (6) mansuetus (6)
e pauper (12). Existem duas frases em que anav acompanha
terra anav heretz. E que em ambos são traduzidos por prays ou
mansos.
2) ‘ani [37 vezes] que tem
o significado de pobre, humilde, modesto, oprimido. A primeira vez que aparece
é em Ex. 22,24: Se emprestares prata ao meu povo, ao pobre [ani e ptochós]
que está contigo. Quando não se menciona o opressor a palavra significa
realmente pobre material, os que não têm terra. A Setenta traduz, indistintamente,
ani por pobre ou humilde.
3) anah. A única vez que
anah sai é em Daniel 4, 27: redime tua iniquidade para com os pobres em grego
penetön [= dos pobres].
4) dal [22 vezes]
baixo, fraco, pobre, magro. Fisicamente dal significa fraco e passa a ser
empregado para as classes sociais mais baixas como camponeses, pobres,
necessitados, sem importância.
5) Ebyon [11 vezes]
significa pedinte de esmolas, mendigo; ou seja, os muito pobres e sem lar.
6) Rush [11 vezes]
necessitado, pobre, é uma palavra que se emprega como contraste de rico.
7) Misken. Nos tempos mais
modernos usa-se misken, um termo que os mendigos orientais empregam
para definir a si mesmos. Que deduzimos então? Se o mendigo é precisamente o ebyon e
equivale ao endeês [menesteroso em grego] o ptochós de
nossa bem-aventurança pode ser pobre no sentido de desvalido, sem recursos,
cujo único goel [defensor] era Jahvé, em oposição aos ricos
que dependiam de suas riquezas como base fundamental de suas vidas. Os textos
mais modernos descartam o pobre material e traduzem o Ptochós como
humilde, ou humilde de espírito (AV), ou os que têm o coração de pobre
(francesa). A melhor exegese será, sem dúvida, a feita por Maria: Depôs
poderosos de seus tronos e aos humildes exaltou. Cumulou de bens os famintos e
despediu ricos de mãos vazias. Parece que Jesus aprendeu bem de sua mãe esta
política divina que tão bem se realizou na sua família. Os rabinos louvavam a
simplicidade e a humildade, mas nunca a pobreza porque, segundo eles, nenhum
dos males poderia se equiparar ao mal da pobreza; daí que Mateus, legista e
conhecedor das tradições judaicas, teve que acrescentar uma explicação ao
simples fato de pobreza. Pois para esses mestres da Lei a riqueza era o prêmio
justo da virtude e a pobreza era considerada como legítimo castigo. Porém, a
pobreza entra nos planos de Deus e a sua aceitação coloca os pobres como
escolhidos às portas do Reino do qual Jesus era o arauto ao proclamar as
condições que o limitavam, segundo Is. 61,1: Ele me enviou a anunciar a boa
nova aos pobres [ptochoi em grego e humildes nas versões mais
modernas como a italiana]. Na história do Israel antigo, após a economia
inicial de troca, uma vez consolidada a monarquia, o dinheiro tomou conta da
economia e muitos dos agricultores passaram a depender dos homens das cidades.
Este empobrecimento não só se tornou um problema social, mas religioso como
fruto da quebra da Lei, tornando-se uma injustiça, atacada pelos profetas do
século VIII a.C. que ameaçavam com o juízo divino os ricos que eram culpados. E
é nesta situação histórica, que podemos entender o significado de pobre e
necessitado. O pobre que sofre injustiça porque outros se tornaram gananciosos,
volta-se indefeso e humilde a Deus em oração, pensando que a ajuda divina em
suas necessidades é a base da glória a Deus. Pobres, são os que se voltam a
Deus em suas necessidades, pois é um Deus-protetor dos pobres (Sl. 72,2): com
justiça ele [o rei] julgue o seu povo, salve os filhos dos indigentes [anawim e ptochoi]
e esmague seus opressores. No salmo 132,15 diz: De pão fartarei seus pobres [anawim e ptochoi].
A desgraça do exílio levou, temporariamente, ao emprego das palavras pobre e
necessitado como termos coletivos para o povo. No judaísmo tardio, tanto a
pobreza material como o aspecto da sua espiritualização têm características
novas: Todos os grupos religiosos tinham suas formas especiais de obras de
caridade. Nas sinagogas havia uma organização para ajuda dos pobres, existindo
esmolas públicas semanais. Cada sexta-feira, aqueles que viviam na localidade,
recebiam dinheiro suficiente da cesta dos pobres para 14 refeições ; os
estrangeiros recebiam comida diariamente da comida dos pobres; esta comida
tinha sido coletada antes, de casa em casa, pelos oficiais dos pobres. Na
diáspora, as sinagogas frequentemente estabeleciam uma comissão de sete para
esse serviço, como fizeram os apóstolos em Atos 6,1-6. A distribuição das
esmolas era considerada particularmente meritória, se feita na cidade santa. A
semelhança entre hoje e antigamente é tão grande –escreve J. Jeremias- que há
algumas dezenas de anos encontravam-se leprosos, pedindo esmolas nos seus
lugares habituais, no caminho de Getsêmani, fora dos muros da cidade. Em
Jerusalém, a mendicância concentrava-se em torno do Templo, como vemos em At.
3,1-8. Como temos visto, os setenta traduzem anawim porptochoi.
Portanto, esta palavra perdeu o significado de mendigo para denotar o homem
indefeso, que só tem como avaliador Jahweh e que nele depositou sua inteira
confiança. A palavra pobre não significava a mesma coisa para um grego e para
um judeu. Para o grego era um mendigo; para o judeu era aquele que não possuía
terras (Êx 22,24). Naturalmente, neste último caso, os pobres eram também
gentes desprovidas de influência social, frequentemente exploradas e
humilhadas. Em grego, temos a palavra Ptochós [mendigo] com
necessidade de pedir esmola para subsistir e a palavra Penës, o
pobre que não é rico, mas tem necessidade de trabalhar para poder viver. Como
temos visto, ao explicar as diversas palavras usadas no hebraico, os pobres
podem ocupar o lugar da palavra anawin, que tem um significado
contrário ao de rico, com conotações religiosas de confiança em Deus.
TO PNEUMATI: que pode ser
traduzido em espírito ou de espírito. Evidentemente, o espírito é o espírito
humano. Portanto temos: Ou pobres de espírito, que significaria acanhados; ou
pobres por espírito, por eleição, pessoas estas que aceitavam a pobreza como
natural ou como voluntária. O texto grego presta-se, pois, a duas
interpretações:1) pobres quanto ao espírito; 2) pobres pelo espírito.
A primeira pode ter um sentido
pejorativo como homem de qualidades diminuídas. Ou um positivo como aqueles
desapegados do dinheiro, embora o possuam em abundância, sentido este excluído
pelo próprio Jesus em Mt. 6,19-24 e pela condição imposta ao jovem rico. Na
tradição judaica, os termosanawim/aniyim designavam os
pobres sociológicos, que punham sua esperança em Deus por não achar apoio, nem justiça
na sociedade. Jesus recolhe este sentido e convida a escolher a condição de
pobres [opção contra o dinheiro e a posição social] entregando-se nas mãos de
Deus. O termo “espírito”, na concepção semita, conota sempre força e atividade
vital. Neste texto, denota o espírito do homem. Na antropologia do AT o homem
possui “espírito” e “coração”. Ambos os termos designam sua interioridade; o
primeiro, enquanto dinâmica, sua atividade em ato; o segundo, enquanto
estática, os estados interiores ou disposições habituais que orientam e matizam
sua atividade. A interioridade do homem passa à atividade enquanto
inteligência, decisão e sentimento. Dado o que Jesus propõe, é uma opção pela
pobreza, e o ato que a realiza é a decisão da vontade. O sentido da bem-aventurança
é, portanto “os pobres por decisão”, opondo-se aos “pobres por necessidade”.
Transpondo o nome decisão pela forma verbal, tem-se “os que decidem escolher
ser pobres”. A vulgata usa pauperes spiritu do grego ptochoi to
pneuma. A tradução da bíblia protestante na sua VA [versão autorizada] é:
Bem-aventurados, os humildes em espírito. As bíblias católicas conservam a
palavra pobres e traduzem pobres de espírito ou em espírito e algumas pobres de
coração. Duas traduções fazem uma exegese particular: A versão AL [América
latina] os que têm o espírito de pobres e a francesa: ceux qui ont um coeur depauvre [que
têm um coração de pobre]. A bíblia de King James traduz poor inspirit e
comenta que ptochós é uma pessoa que não pode se ajudar, ao contrário de
penes, que, sendo pobre, pode se virar, como dizem. E comenta: o primeiro passo
para ser abençoado é a admissão da própria inutilidade espiritual. Enquanto
Mateus dá uma explicação sobre o significado de Ptochoi[pobres],
Lucas nada diz sobre a natureza da pobreza, aludida por Jesus na primeira
bem-aventurança. Segundo Lucas, é a pobreza material a que abre as portas do
Reino. Segundo Mateus, essa pobreza tem um matiz necessário: é a pobreza
fomentada no espírito, no desejo, no interior ou pensamento, ou tomada como
objetivo na vida, que implica não considerar as riquezas materiais como
finalidade da vida. Na realidade, ambos os termos podem ser vistos com uma
convergência: a pobreza material é um pré-requisito para a pobreza espiritual,
muito mais difícil de se conseguir quando a riqueza é o berço em que fomos
aninhados. Uma interpretação moderna é de que os homens só podem ser abençoados
por Deus quando diante dEle se comportarem como mendigos às portas de sua
misericórdia. Vejamos duas interpretações:
1) Do ponto de vista católico e
fundamentada em Mateus: a) a primeira Bem-aventurança seria a bênção divina
para os que escolhem ser pobres, porque no lugar da riqueza, estes terão a Deus
por seu único Rei, que, por sua parte, escolhe os válidos e preferidos entre os
pobres e oprimidos. No texto de Mateus podemos interpretar pobres no espírito
como aqueles que não têm ambições de riqueza, que não se deixam levar pela
avareza. b) Finalmente, pobres no espírito pode significar aqueles que carecem
de qualidades humanas. Qual delas é a mais correta na interpretação das
palavras de Jesus? Segundo a maioria dos autores, Ptochoi traduz
o hebraico Anawim que Jesus explicará em Mateus 6, 19-21; 24
em que Jesus rejeita o desejo das riquezas e as antepõe ao serviço devido a
Deus, já que não podemos servir a dois senhores. Quando da recusa do jovem em
abandonar suas riquezas, Jesus comentará que é difícil para um rico entrar no
Reino, pois na realidade ele está dominado pelo senhor contrário ao verdadeiro
Senhor: Deus (Mt. 19,16+). E é nesta última situação que as palavras de Lucas
adquirem o verdadeiro valor como Bem-aventurança. Um último comentário: Pelo
que Mateus nos dá a conhecer sobre o sermão da montanha parece que as
bem-aventuranças foram redigidas sobre a frase tão repetida neste capítulo V:
Ouvistes que foi dito aos antigos; eu, porém vos digo. Isto é: nas sinagogas
vos foi ensinado; porém, a verdade é outra diferente que eu vos declaro agora.
Por isso a melhor tradução, sob o ponto de vista exegético, seria: Ouvistes que
vos foi ensinado que os ricos eram benditos de Deus; eu, porém, vos digo que
são os mais pobres os escolhidos e os que verdadeiramente são os benditos de
Deus, que na terra vão constituir seu Reino. De fato, Paulo dirá aos de
Corinto: Não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos,
nem muitos de família prestigiosa… Deus escolheu o que no mundo é vil e
desprezado… a fim de que aquele que se gloria, glorie-se no Senhor. (1Cor.
1,26-31). A bênção era tão inusitada para a época em que a pobreza era
considerava pior que a lepra como castigo divino, que Mateus ou o seu copiador,
se sentiu obrigado a introduzir um pequeno parêntese explicativo para
restringir a pobreza a limites aceitáveis pelos seus leitores e assim fala dos
pobres de coração que hoje chamaríamos pobres sem ambição, e que os evangélicos
traduzem por humildes de espírito. Porém, devemos manter o original de Lucas
que fala dos simplesmente pobres, indigentes, porque a bênção divina é tanto
mais completa quanto mais miserável aparecer a condição humana. Assim se cumpre
o dito de Jesus que afirma ter vindo salvar o aparentemente perdido. Como
consequência, não devemos desprezar esses mendigos que tratamos de vagabundos, porque
eles merecem um lugar de destaque no reino, e nosso amor para com eles só será
um espelho do amor de Deus exemplificado nesta bênção. Em termos gerais,
podemos considerar que se Lucas é o taquígrafo das palavras de Cristo, Mateus é
seu intérprete e catequista. Daí as diferenças. Segundo as palavras de Jesus,
citando, em Lucas, Isaías 61,1: Ele me enviou a anunciar a boa-nova aos pobres
[anawim e ptochoi, o latim mansueti,
que traduz o italiano umili e a VA quebrantados] os
pobres poderiam ser os aflitos por suas necessidades materiais. De fato, as
classes inferiores, escravos e necessitados se beneficiaram do evangelho em
forma tal, que Jesus teve que afirmar que dificilmente um rico entraria dentro
do esquema do mesmo. Serão, pois os pobres materiais os sujeitos da
bem-aventurança, embora devam ser excluídos da mesma os que se rebelam contra
sua pobreza e não a aceitando, rejeitam os planos de Deus que prefere os
deserdados aos ricos e opulentos.
2) A evangélica de Robert H Mounce; em
resumo será: Jesus exclama que não são os ricos e poderosos, mas os pobres e
humildes dos quais se podem dizer, na verdade, que são bem-aventurados. A
apreciação de Jesus das coisas que constituem a vida, como deve ser vivida,
ressalta em forte contraste com a sabedoria convencional… Na linguagem
hebraica, pobre não era apenas a pessoa em desvantagem econômica, mas todos
quantos, em sua necessidade, apelam a Deus em busca de ajuda (Sl. 69,32 e Is.
81,11). Estes são os anawim, “os humildes pobres que confiam na ajuda de Deus”.
Pobre de espírito significa depender totalmente de Deus para ajuda, segundo o
Salmo 34, 6: Clamou este pobre e o Senhor o ouviu; salvou-o de todas as suas
angústias.
REINO DOS CÉUS: A promessa mais
explícita, como esperança de cada bem-aventurança, é a entrada no Reino, que
Mateus chama dos céus, especialmente explicitada na primeira e na última,
oitava e final, da lista por ele apresentada. Mateus é praticamente o único
evangelista que chama reino dos céus [15 vezes] enquanto os outros dois
denominam Reino do (sic) Deus. Em que consiste esse Reino que parece ser a base
da pregação de Jesus? Nas suas parábolas Jesus o descreve como um banquete
nupcial (Mt. 22,1+), como um precioso tesouro (Mt. 13,44). Mas, em que
consiste? No AT só encontramos uma vez e em grego a frase Reino de Deus no
livro da Sabedoria que não é admitido como canônico pelos evangélicos: Ela [a
sabedoria] guiou por sendas retas o justo [Jacó], que fugia da ira de seu irmão
[Esaú], lhe mostrou o reino de Deus e deu-lhe o conhecimento das coisas santas
[significando o governo do mundo por meio de seus anjos e em particular a
bondade de Deus para com o patriarca] (Sb. 10,10). Por Daniel,
especialmente no capítulo 7, sabemos que os quatro reinos procedentes do mar
[do abismo, símbolo do mal] foram substituídos pelo reino que procedia das
nuvens do céu [de Deus]. Era o Reino dos céus segundo Mateus ou Reino de Deus
do qual Jesus se diz representante, assumindo a figura de Filho do Homem (Dn.
7, 13). Das palavras de Jesus, dificilmente saberemos a resposta positiva;
sabemos quais são as pessoas que entram facilmente [pobres, crianças] (Mt. 5,3
e 19,14) e quais as que têm dificuldade [ricos, autoridades religiosas] (Mt.
19,23 e 21,31) . Sabemos que o Reino exige uma honestidade própria [mais estrita
que a dos escribas e fariseus] (Mt. 5,20). Que para um escriba era necessária
uma espécie de renovação como novo nascimento, que é da água e do espírito (Jo
3,5). Um reino que implica uma nova relação com Deus, não em forma aparente e
externa, mas interior (Lc. 17,21). Um reino que consiste essencialmente em que
a vontade divina seja a norma indispensável da vida (Mt. 6,10). Um reino que se
mostrará patente após a morte de Cristo porque muitos dos ouvintes de Jesus
estarão presentes ao seu início visível (Lc. 9,27) para o qual haverá sinais
prévios (Lc. 21,31). Reino que terá Pedro como supremo supervisor (Mt 16,19).
Os apóstolos, seguindo esta linha de Jesus, nos dizem que o Reino consiste não
em palavras, mas em poder (1Cor. 4,20). Não em comilanças e bebedeiras, mas em
honestidade, paz e gozo no Espírito Santo (Rm. 14,17); que nem luxuriosos, nem
idólatras, nem adúlteros, nem depravados, nem efeminados, nem sodomitas, nem
ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem injuriosos herdarão o mesmo (1Cor. 6,9-10);
coisa que repetirá Paulo em Gl. 5,21. Trabalham pelo reino os apóstolos e com
eles os que os ajudam (Cl. 4,11). Deste reino que podemos chamar na sua face
terrena, chegamos ao definitivo ao eschaton do qual temos a palavra de Jesus
que beberá do fruto da vide quando chegar o Reino de Deus (Lc. 22,18). Este é o
reino que Jesus admite como próprio e do qual como gozo definitivo promete
participar aos que nele confiam (Lc. 23,42-43). Podemos, pois, responder à
pergunta qual é esse reino que a eles é prometido? Sem dúvida, que eles serão a
maior e melhor parte desse novo povo de Deus que constitui o Reino por Cristo
fundado e do qual ele era Senhor. Não é sem uma idéia proposta e preconcebida,
que Mateus escolhe no monte onde pronuncia a novidade do reino, os doze que
deveriam ser os novos pais das novas tribos do novo Israel, não como genitores
materiais, mas como pais espirituais, dos quais todos nós recebemos a nova vida
no Espírito.
TÊM A DEUS POR REI: esta é a tradução
preferida pelos modernos intérpretes. Assim, o grego Basiléia não significa
aqui reino, mas ‘reinado’. “Seu é o reinado de Deus” quer dizer que esse
reinado se exerce sobre eles, que somente sobre eles age Deus como rei. A
pobreza a que Jesus convida é a renúncia a acumular e reter bens, a considerar
algo como exclusivamente próprio; esses pobres estarão sempre dispostos a
compartilhar o que têm. A opção final que Jesus propõe, realiza o prescrito
pelo primeiro mandamento de Moisés: Não terás outros deuses diante de mim (Dt.
5,7).
A idolatria concretizava-se na posse da
riqueza (Mt. 6,24); por isso o enunciado desta bem-aventurança é porque estes
e não outros, têm a Deus por Rei. A opção proposta pela primeira
bem-aventurança leva à sua perfeição a metanoia ou emenda, pois quem escolhe
ser pobre, renunciando a monopolizar riquezas, e com isso, à posição social e
ao domínio, exclui de sua vida a possibilidade de injustiça. É a visão da
teologia da libertação.
CONCLUSÃO. As palavras de Jesus são um
convite a refletir de forma nova sobre fatos que consideramos desafortunados,
mas que o evangelho torna afortunados. Entre eles a pobreza, considerada como
um castigo divino, mas que agora devemos ver como uma circunstância
providencial, uma verdadeira bênção do céu, porque facilitará a entrada no reino
dos que a sofrem.
OS QUE CHORAM: ditosos os que
pranteiam. Eles serão consolados (4). O latim e a maioria das traduções
modernas modificam a ordem desta bem-aventurança colocando-a em terceiro lugar.
Mas que significa o verbo grego penthountes? Ele significa propriamente
lamentar os mortos, ou seja, prantear, derramar lágrimas por alguém, estar de
luto. Precisamente a palavra luto deriva do latim lugere de onde luctus. O
grego pentheö sai 4 vezes nos evangelhos: Duas em Mateus e uma em Marcos e
Lucas. É traduzido por lugere, enquanto o pranto ou choro como o de um menino é
klaiö. Pedro chorou amargamente após suas negações (Mt. 26,75). As carpideiras,
ou pranteadeiras, choravam [klaiontas, flentes] na casa de Jairo por causa da
morte da filha (Mc. 5,38). Lucas, neste lugar paralelo, usa klaiö em vez de
pentheö de Mateus (Lc. 5,21). Sobre pentheö temos Mt. 9,15 que diz que os
amigos do noivo não podem estar de luto no dia da boda do mesmo. Marcos diz que
a Madalena anunciou a Ressurreição aos que estavam lamentando e chorando. Os
mesmos dois verbos sucessivos usa Lucas em 6,25. Também o grego admite como
tradução os que se lamentam ou estão afligidos, como aceitam traduções
modernas. Poderíamos traduzir por os que sofrem. A razão que motiva esta
bem-aventurança é a de que encontrarão consolação a sua dor. Logicamente o
pranto não é devido a uma dor física, mas a uma perda de uma pessoa amada ou de
bens estimados, necessários para a vida: um infortúnio, uma desgraça. Alguns
traduzem: os que sabem o que significa a tristeza. É o próprio Deus que será
seu consolo, segundo Is. 61,2: A consolar todos os que choram. Lucas, como a
vulgata de Mateus, traz esta bem-aventurança em terceiro lugar e a palavra
usada é Klaiontes [o latim flentes, derramando lágrimas] que como sempre traduz
muito literalmente o grego. O texto não diz as razões que motivaram as
lágrimas. Mas no texto de Isaías, citado por Jesus quando do início de sua
missão, encontramos: que foi enviado a consolar os que estão tristes. Usa,
pois, Mateus os dois verbos que a Setenta, a bíblia-guia dos primitivos
cristãos, emprega. Poderíamos afirmar que o consolador é o próprio Jesus na sua
função de Messias Salvador, ou Cristo. Ele toma as funções divinas atribuídas a
Deus na passiva do verbo correspondente. Recorda a passagem: Vinde a mim todos
vós que estais cansados… E eu vos aliviarei (Mt. 11,28).
OS MANSOS. Ditosos os mansos porque eles herdarão a terra (5).
PRAEYS:
é palavra própria dos mansos, benignos, não violentos, o mites oumansuetus latino,
que aceitam sua fragilidade e sua situação social sem revolta, mas com a
confiança em Deus que será o último fautor da História. É uma imagem tomada do
Salmo 37,11: Pois os mansos herdarão a terra e se deleitarão na abundância da
paz. É notável como as palavras prays eklëronomeo são
também as usadas pelo salmista. O sentido claro é que, definitivamente, o Reino
é um reino de paz e que os não violentos são os herdeiros desse reino que
substitui o antigo Israel, a verdadeira terra bíblica. Por isso Jesus afirma que
os contrários do Reino são os violentos que estão a destruí-lo (Mt. 11,12). No
tempo de Jesus, os Zelotas pensavam que fosse a terra [nome dado à Palestina
pelos israelitas] matéria de conquista e guerra. Jesus, porém, toma a palavra
do profeta no salmo 37,8-9 para indicar que não é a violência que conquista a
terra. Deixa a violência, abandona o furor, não te inflames: só farias o mal;
porque os maus vão ser extirpados e os que aguardam o Senhor possuirão a terra.
De Si mesmo dirá que devemos aprender porque é manso e humilde de coração (Mt.
11,29). De novo temos a presença de Jesus nesta bem-aventurança, agora como
modelo humano e não como Deus que cumpre uma promessa. Esta bem-aventurança é
uma antecipação do número 7: os fazedores da paz. Só que, neste último caso, a
situação é ativa e na nossa 3a bem-aventurança o sujeito é passivo: pacífico.
Terra era o termo com o qual declaravam os judeus a porção geográfica que
Jahweh tinha dado a eles por herança (Dt. 1,36 e Nm. 26,53) que Dt. 9,29
identifica com o povo de Israel. De modo que podemos afirmar que unicamente os
pacíficos ocuparão o espaço dos que pertencem ao Reino.
FOME E SEDE DE JUSTIÇA. Ditosos os famintos e sedentos de justiça, porque
serão saciados (6).
Esta bem-aventurança está refletida, mas
de modo material, na segunda de Lucas: os famintos agora, pois serão saciados.
Esta oposição à materialidade de Lucas nos descobre uma interpretação
espiritualista de Mateus das palavras de Jesus. Ao mesmo tempo, Mateus conecta
com o AT segundo sua proposição de que Jesus veio não para revogar a Lei, mas
para completá-la (Mt. 5,17). São duas as passagens de Isaías que falam sobre
sede e fome: 55,1 e 65,13. Especialmente nesta última Jahweh se refere aos seus
servos que terão comida e bebida em abundância. Mas que significa a justiça que
é a fonte ou motivo de sede e fome? Em grego dikaiosyne significa:
1) Justiça divina que premia o bem e
castiga o mal.
2) Justiça humana equivalente a
santidade moral.
3) Fidelidade divina que cumpre sempre
suas promessas que é sinônimo de salvação.
4) Justiça distributiva humana que
respeita o direito e defende em nome de Deus os mais necessitados. Qual delas é
a justiça de nosso versículo? Provavelmente, a terceira. A justiça bíblica é
sinônimo de santidade ou correção de vida em conformidade com a vontade divina.
Não é a justiça comutativa, mas a essencial da qual nos fala Paulo e que em
certo modo se identifica com salvação e santidade. O lugar paralelo é Mt. 6,33
no qual a justiça está unida ao Reino. Justos eram aqueles cujo sangue foi
derramado desde Abel até o último profeta (Mt. 23,33). Uma salvação que inclui
também o primeiro significado. Era o desejo manifestado por Simeão: Meus olhos
viram a tua salvação (Lc. 2,30), porque essa salvação foi comparada a um banquete
no qual todos podiam entrar, ricos e pobres, sãos e aleijados, bons e maus. A
entrada é livre, pois a justiça divina se transformou em misericórdia.
Unicamente os convivas deveriam ter uma veste limpa: não buscar a própria
exaltação como os fariseus, mas revestidos de Cristo (Rm. 13,14) de sentimentos
de compaixão, benevolência, humildade, doçura, paciência (Cl. 3,12).
OS MISERICORDIOSOS. Ditosos os misericordiosos porque serão tratados
com misericórdia (7).
Eleëmones é
o termo grego significando que tem compaixão. Eles alcançarão essa mesma
compaixão que têm com os homens, mas da parte de Deus.Eleëmones só
sai esta vez nos evangelhos. A palavra que é usada da mesma raiz é eleeö,
[ miserere, ter compaixão]. É o verbo usado pelos pedintes de Jesus para uma
cura, como os cegos, a mulher cananeia, o pai do filho epiléptico, etc. É o
verbo usado por Jesus na parábola do servo devedor, a palavra que usa o rico
para pedir de Abraão uma gota d’água. É a compaixão para com aquele que está
necessitado ou pede perdão de uma dívida impagável. O próprio Lucas traduz a
perfeição cristã por misericórdia: sede misericordiosos como vosso Pai (Lc 6,
36). A palavra usada por Lucas oiktirmön [que tem pena de] é
mais próxima de compaixão que de misericórdia. Precisamente a eleëmosunë =
eleemosyna latina [esmola portuguesa] provém dessa raiz grega que éeleëmosunë.
Daí o grande motivo para dar esmolas entre os cristãos.
LIMPOS DE CORAÇÃO. Ditosos os limpos no coração porque eles verão a
Deus (8).
Katharoi [mundi,
limpos]. Na verdade, o latim com mundo corde diria: ditosos (aqueles) com
coração limpo. O coração limpo, por outros traduzido por os puros de coração
nada tem a ver com a castidade, mas visa os de intenções limpas, os não
malvados, nem torcidos em seu íntimo entre pensamento, palavra e ação por terem
o pensamento diverso de sua palavra mentirosa. Ou seja, os não hipócritas, os
que só pensam em fazer o bem, sem outras intenções espúrias ou indignas por
segundos interesses. Limpos de coração é tomado do Salmo 24,4: Quem é
limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem
jura dolosamente. O salmo 15,2 fala de quem vive com integridade e pratica a
justiça, e, de coração, fala a verdade, o que não difama com sua língua, não
faz mal ao próximo nem lança injúria contra seu vizinho. Esta é a limpeza do
coração, mente, ou intenção, diríamos hoje. O prêmio desta vez é que verão a
Deus. Quando? Evidentemente na figura de Jesus. Como exemplo: os fariseus viram
o demônio expulsando seu colega, quando a gente simples via o dedo de Deus (Mt.
12,22-24). Por outro lado, eles, os limpos de coração, são os que buscam a
verdade e a encontrão e por isso verão a Deus em suas vidas porque Deus é a
única verdade. A Carta aos Hebreus afirma que sem a santificação é impossível
ver a Deus (Hb. 12,14). Não se trata unicamente do além, mas do tempo presente
em que a premissa básica para encontrar o verdadeiro Deus é a pureza de
intenção. Precisamente Jesus dirá que é no coração onde se prepara e cozinha a
maldade (Mt. 16,19). A presença de Deus era o Templo, onde Deus estava
assentado sobre os querubins da arca (1Sm 4,4). Agora o verdadeiro templo é o
crente (1Cor. 3,16), e só se Deus é adorado em verdade (Jo 4,24) é que estará
ali como estava sobre os querubins no antigo Templo (1Sm 4,4). E nesse templo
interior Ele se manifestará.
OS QUE TRABALHAM PELA PAZ. Ditosos os que trabalham pela paz porque eles serão
chamados filhos de Deus (9).
Os eirenopoioi grego,
tem como tradução direta os que fabricam a paz, que infelizmente o latim traduz
impropriamente por pacifici e que a maioria das bíblias adotou como pacífico;
mas pacífico corresponde a 3a bem-aventurança com o nome de praeis.
Uma coisa é ser pacífico ou afável, e outra é trabalhar pela paz. Um
comentarista diz que um trabalhador pela paz é um homem que experimentou a paz
de Deus e pretende levar a mesma aos que com ele convivem. De fato, esta é a
única vez que é empregada no NT. Serão chamados filhos, está no lugar de serão
verdadeiros filhos de Deus. Precisamente, segundo Isaías, o filho que nos foi
dado, terá como nome Emanuel [Deus conosco] será chamado Príncipe da paz (9,5).
Esse Jesus que como rei da paz entra em Jerusalém montado num jumento e não num
cavalo, montaria de guerra, para anunciar a paz às nações (Zc 9,9-10). Os
pacificadores são os verdadeiros continuadores do labor feito por Jesus, levam
a paz entre os homens e a paz para com Deus. Trabalham como Jesus trabalhou,
com o mesmo objetivo e o mesmo motivo: reconciliação e amor.
OS PERSEGUIDOS(10). Ditosos os perseguidos por causa da justiça, porque
deles é o reino dos céus (10).
Dediögmenoi [perseguidos]
é o particípio passado passivo do verbo diököbuscar ou acossar
alguém de modo a ter que fugir por causa do acossamento. Esta deveria ser a
oitava e última bem-aventurança, mas nos encontramos com um makarismo a
mais, o nono. A justiça é como temos explicado no parágrafo de sede e fome de
justiça, a correção de vida que se ajusta aos planos divinos, e que no AT
consistia no cumprimento exato dos preceitos da Lei, como era o caso de José,
esposo de Maria, que devia por lei denunciar Maria publicamente, mas pensava em
repudiá-la ao modo antigo, ou seja, secretamente (Mt. 1,19). Jesus claramente
abona a teoria de que a moral entra dentro dos planos divinos.
A JUSTIÇA DO REINO. Ditosos sois quando vos reprovarem e
perseguirem e dizendo palavra má contra vós mentirem por minha causa (11).
Parece que este é o nono macarismo,
porém os autores afirmam que ele é a explicação do oitavo, indicando quais são
a justiça e a perseguição dos justos. De fato, neste último macarismo, Jesus
passa da terceira pessoa, em termos gerais, para a segunda pessoa dirigindo-se
aos seus ouvintes: vós. A justiça é a que está representada na pessoa de Jesus
[por causa de mim]. A perseguição ou os perseguidos, do verbo dioko, são os
buscados ou acossados pelos inimigos de Jesus, porque atrás deles está o
Mestre, como Ele disse a Saulo, perseguidor dos seus discípulos (At. 9,4): Saulo,
Saulo, por que me persegues? O grego usa neste versículo o mesmo verbo dioko.
Dentro da explicação, vemos que a perseguição implica a injúria, o acossamento
e a mentira. Todos eles, os perseguidos, pertencerão ao Reino e são os
verdadeiros membros do mesmo, o constituem. A última bem-aventurança promete a
mesma recompensa que a primeira: o Reino.
A RECOMPENSA. Ficai alegres e exultai porque vossa recompensa (é)
grande nos céus. Assim também perseguiram os profetas, os anteriores vossos
(12).
A recompensa, ou melhor, o salário
misthós é uma remuneração que só Deus pode dar e que ninguém poderá diminuir ou
anular, como é o tesouro que as riquezas bem repartidas adquirem para os que
delas se desprendem. Assim podeis comparar-vos com os profetas que me precederam.
A ação profética é precisamente o testemunho de suas vidas, aparentemente
desperdiçadas inutilmente, maltratadas e vilipendiadas pelos que tinham a
obrigação de ouvir e respeitar seus testemunhos. É uma profecia do que
aconteceria após a morte e ressurreição de Jesus, do qual eles se tornariam
testemunhas e profetas. Em todas as bem-aventuranças, vemos alguma correlação
com o AT. Jesus interpreta, pois, o AT de modo a encontrar o verdadeiro sentido
do mesmo. Assim são válidas as suas palavras em Mt 5,17: Não penseis que vim
revogar a lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir.
PISTAS
1) Jesus [ou a Igreja primitiva] coloca
as bem-aventuranças no início da sua atuação pública, imediatamente após a
escolha dos doze. Pelos detalhes de Mateus, elas ocupam o lugar dos mandamentos
recebidos por Moisés no Sinai, ou seja, Jesus prega uma Boa Nova em oposição a
Moisés que proclama uma lei de servidão.
2) É um evangelho positivo no qual Deus
quer mostrar a sua face de bondade e salvação. E são precisamente esses homens
passivos da ação divina que o mundo pensaria serem os de pior sorte, os que são
beneficiados [ditosos] pela riqueza e misericórdia de Deus.
3) Não se trata de uma moral nova a ser
cumprida –à parte o capítulo V- mas de umas circunstâncias nas quais Deus quer
se mostrar magnânimo e divinamente generoso. Por isso, as bem-aventuranças
estão sendo proclamadas a todos os que de alguma maneira encontram em Jesus o
seu Mestre e Salvador.
4) As bem-aventuranças resumem o
espírito evangélico, ou apresentam um modo novo de olhar para a realidade crua,
dos discípulos de Jesus? Antes parece um juízo feito pela sabedoria divina dos
momentos e das pessoas que nós consideramos desafortunados. Nessas situações
tão indesejáveis, a esperança provém do olhar para a verdadeira essência das
coisas: ver a realidade como Deus a vê.
5) As primeiras constituem a bênção de
circunstâncias que podemos chamar de infortúnio. Estar nas mesmas não é um
azar, mas uma sorte do ponto de vista da providência divina. As segundas
implicam uma recompensa para determinadas virtudes que são essencialmente
cristãs. Todas constituem a Boa Nova para necessitados ou almas de boa vontade.
A Boa Vontade divina agora inclui a boa vontade humana.
padre
Ignácio
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Professor da felicidade
“Não
pode existir alguém que não deseje ser feliz. Mas, oxalá os homens que tão
vivamente desejam a recompensa não fugissem dos trabalhos que conduzem a ela!”
– Assim começava Santo Agostinho o sermão sobre as bem-aventuranças no ano 415
em Cartago. Impressiona-nos vivamente que o Senhor relacione a felicidade
daquelas multidões (cfr. Mt 5,1) com a pobreza, o choro, a mansidão, a fome e a
sede de justiça, a misericórdia, a pureza de coração, a pacificidade, a perseguição
sofrida e a calúnia padecida. Para os ouvidos mundanos, essas expressões não
podem causar mais que rejeição! E, não obstante, são esses os trabalhos que
conduzem a felicidade, como dizia o bispo de Hipona. Sem dúvida, é importante
entender que Jesus não está pregando uma vida miserável, triste, sem nenhum
prazer, sem garra e sem perspectiva. Vou ser sincero: eu também rejeitaria um
cristianismo assim! Se o mártir visse somente os sofrimentos e a morte, não
seria feliz. Para a testemunha da fé, os tormentos são suportados por amor a
Deus e também por causa da recompensa, do prêmio, do céu!
Há
outras palavras de Cristo que nos ajudam a compreender melhor as das
bem-aventuranças: “ninguém há que tenha deixado casa ou irmãos, ou irmãs, ou
pai, ou mãe, ou filhos, ou terras por causa de mim e por causa do Evangelho que
não receba, já neste século, cem vezes mais, com perseguições – e no século
vindouro a vida eterna” (Mc. 10,29-30). Neste século: deixar pai e ter cem
pais, deixar mãe ter cem mães, deixar terras e ter cem vezes mais a quantidade
de terra que se tinha… é ou não é rentável? E, depois: a vida eterna! E nem
precisa ser bom comerciante para dizer que negócio é ouro!
A
felicidade é uma realidade que vai mais além da pobreza, do choro, da mansidão
e, não obstante, está presente em todas essas realidades, não por causa delas
mesmas, mas por causa do espírito com o qual as vivemos e por causa das grandes
coisas que nos aportam tão pouca renúncia. Em resumo: os que não conhecem a
Deus estão perdendo tempo!
Realmente,
o que faz feliz o coração humano não são as coisas desse mundo, mas o sentido
na vivencia e na utilização dessas coisas. A mulher que vai ao salão de beleza
e espera durante algumas horas para que a deixem bem bonita, é feliz; ela se
submete a esse pequeno sacrifício por um bem maior. Quem sabe as consequências
prejudiciais de uma noite de álcool e mesmo assim “toma todas”, é feliz; essa
pessoa não busca as consequências, mas a alienação na qual encontra a
felicidade por algumas horas. Inclusive quando pecamos, as ações por nós
realizadas tem como fim a busca da felicidade, ainda que de maneira errada.
Com
esses poucos exemplos é fácil ver e afirmar que há coisas que levam à autêntica
felicidade e outras que levam a uma aparente felicidade. Como chamar felicidade
aquilo que vai acabando conosco? Somente um louco buscaria a felicidade no
encontro violentamente físico entre a sua cabeça e um poste.
Existe
também uma “educação para a felicidade”, para buscar a felicidade. Há fases
árduas nesse aprendizado. Além do mais, há coisas consideradas “chatas” que nos
fazem felizes, como tomar um remédio amargo ou ir à escola. No momento não se
percebe que é assim, mas com o passar do tempo estamos felizes e agradecidos
por estar sadios e por não sermos burros.
Um
bom professor da matéria chamada “felicidade” é Jesus. Que grande pedagogo!
Afirma, para atrair os seus discípulos, que terão cem vezes mais aquilo que
eles renunciarem. Com essa perspectiva, fica até fácil pedir a renúncia ao
próprio eu (pobreza de espírito), pois seremos cem vezes mais nós mesmos,
realmente viveremos de acordo com a nossa dignidade; o choro do esforço, pois
assim não viveremos como seres adocicados e moles cuja felicidade se encontra
na posição horizontal sobre um sofá macio (que pobreza de perspectiva!); a fome
e a sede de justiça que nos faz ter uma vontade cem vezes mais firme para lutar
pela felicidade dos outros, caminho de liberdade interior; a misericórdia que
nos dá uma coragem centuplicada; a pureza de coração que nos faz cem vezes mais
nobres porque dizemos “não” ao animal que está dentro de nós, preferimos viver
como seres humanos; os pacíficos que estão dispostos a lutar cem vezes porque
sabem que a paz é resultado da guerra que nos fazemos a nós mesmos contra as
nossas más inclinações; a perseguição que nos faz cem vezes mais perspicazes
para saber viver nesse mundo com a esperteza dos filhos de Deus e não ser bobos
de ficar para trás em coisas nas quais deveríamos ser os primeiros; na calúnia
sofrida que nos enterrará no húmus da humildade e nos fará andar
centuplicadamente em verdade. E, depois, o descanso, a vida eterna, a vida sem
fim, sempre, para sempre.
padre Françoá Costa
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Os primeiros capítulos do evangelho, servem ao
evangelista de mote para dar a conhecer quem é Jesus e apresentar a sua missão.
Apresentados estes dados, Mateus, procura mostrar como Jesus vai revelar sua
identidade e explicitar sua missão através de palavras e gestos. Este é
enquadramento do evangelho agora em consideração. Mateus propõe-nos um
discurso de Jesus sobre o “Reino” e a sua lógica. O evangelista estruturou o
seu evangelho em cinco discursos (veja Mt. 5-7; 10; 13; 18; 24-25), que servem
como que “pilares” de toda a sua obra e que recordam os cinco primeiros livros
da Bíblia (Pentateuco). Estamos no primeiro discurso de Jesus – do qual o
Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte – é conhecido como o
“discurso da montanha” (veja Mt. 5-7). O discurso se situa no cimo de um monte,
indicação não arbitrária, mas que lembra montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se
revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha,
oferece a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao
“Reino”.
As “bem-aventuranças”, apresentadas por
Mateus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por
Lucas (veja Lc. 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto que
Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”,
que estão ausentes em Mateus. As “bem-aventuranças” são fórmulas relativamente
freqüentes na tradição bíblica e judaica. As “bem-aventuranças” evangélicas
devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o “Reino”. Jesus proclama
“bem-aventurados” aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza,
porque Deus está a ponto de instaurar o “Reino” e a situação destes “pobres”
vai mudar radicalmente; além disso, são “bem-aventurados” porque, na sua
fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração
disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes
oferece em Jesus (a proposta do “Reino”).
As quatro primeiras “bem-aventuranças”
referidas por Mateus estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos “pobres” (as segunda,
terceira e quarta “bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira,
que proclama: “bem- aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade
daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre
a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua
confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, para esperar e
confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam
despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros. Os
“pobres em espírito” são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens,
ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente,
nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles. Os
“mansos” não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que
se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles
que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas
vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A sua atitude pacífica e
tolerante torná-los-á membros de pleno direito do “Reino”. Os “que choram” são
aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça,
pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do “Reino” vai fazer com que a sua triste
situação se mude em consolação e alegria… A quarta bem-aventurança proclama
felizes “os que têm fome e sede de justiça”. Provavelmente, a justiça deve
entender-se, aqui, em sentido bíblico, isto é, no sentido da fidelidade total
aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a
esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
O segundo grupo de “bem-aventuranças”
(7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que
no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se
atitudes que os discípulos devem assumir. Os “misericordiosos” são aqueles que
têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar
pelos sofrimentos e alegrias dos outros. Os “puros de coração” são aqueles que
têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano. Os
“que constroem a paz” são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a
lei do mais forte orientem as relações humanas.
Os “que são perseguidos por causa da
justiça” são aqueles que lutam pela instauração do “Reino” e são humilhados,
agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que
fomentam a opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos
poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
Na última “bem-aventurança” (11), o
evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que
têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir
ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma
aplicação concreta da oitava “bem-aventurança”.
No seu conjunto, as “bem-aventuranças”
deixam uma mensagem de esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam
que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a
chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica
desse “Reino” onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.
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Em
comunhão com todos os santos
Festejamos, hoje a cidade do
céu, a Jerusalém do alto, nossa mãe, onde nossos irmãos, os santos, vos
cercam e cantam eternamente o vosso louvor.
Para essa cidade
caminhamos, pressurosos, peregrinando na penumbra da fé.
Contemplamos, alegres na vossa luz,
tantos membros da Igreja, que nos dais como exemplo e intercessão. (prefácio de
todos dos Santos).
Em Cristo brilhou para nós
a esperança da feliz ressurreição.
E, aos que a certeza da morte
entristece, a promessa da imortalidade consola... Para os que crêem em
vós a vida não é tirada, mas transformada (prefácio dos
defuntos).
Estamos nos aproximando da conclusão do
Ano Litúrgico, que vai acabar no 34o domingo do Tempo Comum, domingo no
qual celebraremos a solenidade de Cristo, Rei do Universo. No pano do fundo se
contempla a imagem gloriosa do Cristo, origem e término do caminho da história
da salvação, e da mesma criação (cf. Cl. 1,15-16). Esta estreita relação de
toda a realidade a Cristo está simbolicamente bem expressa pelo movimento do
ano litúrgico ao redor da páscoa.
Com profunda sabedoria espiritual, a
esta altura do ano litúrgico, a Igreja celebra em sequência a Solenidade de
Todos os Santos e a memória de todos os defuntos - ordinariamente nos dias 1 e
2 de novembro; no Brasil, a solenidade de Todos os Santos, por motivos
pastorais, foi transferida para o domingo como veremos. Nos santos, ela
contempla alegre e agradecida, a manifestação mais plena da fecundidade da
páscoa do Senhor e os frutos que o Espírito tem produzido em tantos discípulos
e discípulas de Jesus. Com os defuntos, a Igreja confirma a comunhão fraterna
que une na mesma fé todos os membros do povo de Deus peregrino na história, e a
esperança de partilhar a plenitude da vida na casa do Pai, junto com todos
aqueles e aquelas “cuja fé somente Ele conhece” (Oração eucarística IV).
As duas celebrações exprimem as duas
faces inseparáveis da participação ao mistério pascal de Cristo: a comunhão
fraterna no caminho da fé e a esperada partilha da plenitude da vida em Cristo.
O caminho da fé se desenvolve através da complexidade e das contradições
próprias da existência humana, cujo cume imediato e dramático é a morte, cuja
meta, porém, é a plenitude da vida na “ressurreição da carne”, como se exprime
a solene profissão de fé que recitamos todos os domingos. O Verbo de Deus
assumiu livremente nossa condição humana, e a libertou da sua caducidade com
sua morte e ressurreição.
A esperança cristã, não anula o
sofrimento e o medo da morte, mas antecipa este processo dinâmico da fé e da
vida, e o contempla realizado no próprio Cristo ressuscitado, primogênito dos
ressuscitados (cf. Cl. 1,18). “Em Cristo, brilhou para nós a esperança da
gloriosa ressurreição... Para os que crêem em vós a vida não é tirada mas
transformada” (Prefácio dos defuntos).
O que “consola”, isto é, o que sustenta
o cristão diante do drama da morte, não são palavras de sabedoria e de
solidariedade humana, mas é a esperança de participar à ressurreição do próprio
Cristo. Os santos, dos quais hoje celebramos a memória, constituem o exemplo
crível de pessoas que, pela própria conformação ao Cristo, conseguiram
apreender a viver como ressuscitados desde o presente, segundo a potencialidade
interior que o batismo desperta como semente de ressurreição. “Se pois,
ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está à
direita de Deus. Pensai nas coisas do alto, e não nas da terra, pois morrestes
e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus: quando Cristo, que é vossa
vida, se manifestar, então vós também com ele sereis manifestados na
glória” (Cl. 3,1-4)
Se, por razões pastorais, com a
intenção de facilitar a participação dos fieis, - como acontece no Brasil - a
solenidade dos santos é transferida ao domingo seguinte, separando-a de alguns
dias da memória dos defuntos, é preciso salvaguardar, com sábia pedagogia
pastoral, a unidade interior que une as duas celebrações. Ela ilumina o
mistério da morte e da vida com a luz da páscoa de Cristo, e fundamenta corretamente
a devoção aos santos, que o povo cristão gosta tanto, e nem sempre, porém, vive
em maneira iluminada e fecunda.
Os textos dos prefácios citados ao
início desta meditação confirmam a unidade de horizonte das duas celebrações.
Gostaria sugerir, come exercício de uma especial Lectio
Divina pessoal, uma leitura meditada paralela dos seus textos bíblicos e
litúrgicos. É significativo como a Igreja, ao celebrar o mistério da páscoa do
seu Esposo, na Oração Eucarística, lembra em conjunto a memória dos defuntos e
dos santos, enquanto pede a intercessão destes para o povo ainda peregrino na
fé. “Communicantes et memoriam celebrantes... omnium sanctorum tuorum”,
diz o venerável Cânon Romanus. “Em comunhão com todos os santos... nós vos
pedimos”, repetem também todasas novas Orações Eucarísticas, como expressão de
uma mesma e constante fé e espiritualidade pascal.
Com a primeira leitura (Ap. 7), o
profeta, na luz do Espírito vislumbra o sentido profundo dos acontecimentos
dramáticos da história do seu tempo e de todos os tempos, e a vitória de Deus
sobre os inimigos da vida. Na verdade, somente em Cristo morto e ressuscitado,
a história desvela seu mistério, como exprime o grande símbolo do Cordeiro
imolado, porém vivente, Ele, o único a ter a capacidade de abrir os selos que
fecham o livro da vida, e que ninguém consegue ler e menos ainda entender (cf.
Ap. 5,6-14).
Com a linguagem simbólica própria do
gênero literário chamado de “apocalíptico”, enquanto utilizado em escritos
cujos autores pretendem anunciar acontecimentos misteriosos e desvelar o
sentido oculto deles, São João interpreta a sofrida situação dos cristãos do
seu tempo, e abre os corações deles à esperança da salvação, pois Deus já
mostrou sua potência ressuscitando Jesus dos mortos.
O autor inspirado oferece seu anúncio,
através de imagens que evocam o êxodo de Israel do Egito e uma solene liturgia
no templo, onde o Cordeiro pascal imolado se apresenta vivente. Tais imagens,
para os leitores cristãos evocam experiências espirituais mais profundas: a
experiência da libertação do pecado no batismo, e a do culto ao Senhor Jesus,
Morto, Ressuscitado e glorificado à direita do Pai. Ele anima e guia o caminho
do seu novo povo.
A imagem do anjo que traz a marca, o
selo, do Deus vivo, e impede aos anjos exterminadores de danificar a criação
“até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap. 7,2-3), é
imagem altamente evocativa por aqueles que tinham recebido o selo do Espírito
no batismo.
O sangue do cordeiro, imolado na tarde
que precedia a primeira páscoa de Israel, posto em cima da porta das casas dos
israelitas, indicava que os moradores pertenciam ao povo de Israel, e por isso
ao Senhor. Ao ver o sangue ele “passa além” (o verbo hebraico indica a “páscoa”
como “passagem” do Senhor ), e poupa as famílias de Israel do extermínio dos
primogênitos do Egito (cf. Ex. 12,7-14).
O selo do Deus vivo que, na visão do
Apocalipse, marca os servos do Senhor, constitui o sinal de proteção e de
pertença definitiva ao Senhor. “Pertencer ao Senhor” significa ser introduzido
por graça e ficar numa relação profunda com ele, sendo constituído em comunhão
permanente com ele mesmo. O escolhido ganha uma nova identidade, expressa pelo
“nome novo” que lhe dá o próprio Senhor. “Não temas, porque eu te resgatei,
chamei-te pelo nome: tu és meu... Não temas, porque estou contigo” (Is.
41,1.5). O profeta anuncia que a antiga eleição pelo Senhor, é penhor de nova
experiência de libertação, graças ao derrame do seu Espírito, que cria uma
pertença definitiva ao mesmo Senhor: “Derramarei o meu espírito sobre a tua
raça, e a minha bênção sobre os teus descendentes.... Este dirá: ‘Eu pertenço
ao Senhor!’. E aquele se chamará pelo nome de “Jacó”. Enquanto aquele outro
escreverá na sua mão: ‘Pertenço ao Senhor!’, e receberá o nome de “Israel” (Is.
44,3.5).
Os profetas resumirão o sentido
profundo da aliança de Deus com Israel, na famosa fórmula “Eu serei Deus para
vocês, e vocês serão povo para mim” (cf. Jer. 31,33b; Ez 37,27).
O apóstolo Paulo diante dos coríntios,
que estão desconfiando da fidelidade do apóstolo à palavra dada, afirma com
vigor que a capacidade de ficar fieis a Cristo vem de Deus, graças ao dom do
Espírito, selo de Deus e penhor de vida nova: “É Deus quem nos mantém, a nós e
a vós, fieis a Cristo; ungiu-nos, selou-nos e pós em nosso coração o Espírito
como penhor” (2Cor. 1,21-22). (tradução da Bíblia do Peregrino).
O Espírito é a “unção” que conforma a
Cristo, o “Ungido” do Pai; guia o discípulo no seguimento e na sua imitação, e
atua na consciência do batizado como penhor da vida eterna (Rm. 8,9-11). E na
grande perspectiva da vida cristã, como expressão do dinamismo da santa
Trindade, o apóstolo sublinha: “Por meio dele (Cristo), também vós, ao escutar
a mensagem da verdade, a boa notícia da vossa salvação, nele crestes, e fostes
selados com o Espírito Santo, que é garantia de nossa herança, do resgate de
sua posse: para louvor de sua glória” (Ef. 1,13-14) (tradução da Bíblia do
Peregrino).
Pelo contrário, “se alguém não tem o
Espírito de Cristo, não lhe pertence” (Rm 8,9).
Pertencer ao Senhor, graças ao
dinamismo transformador do Espírito, é graça, vocação e tarefa. É processo
dinâmico, que acompanha o discípulo de Jesus do batismo até a morte, acolhida
na fé, como o último mergulho nas águas da páscoa de Cristo, o seio materno que
no Espírito gera à vida nova e eterna.
A história é o tempo, concedido pela
misericórdia de Deus, no qual o anjo do Senhor está marcando na fronte dos
eleitos o selo que indica a pertença ao Senhor. É tempo de espera e de
misericórdia. É tempo de trabalho incessante, pois o anjo há de marcar com o
selo de Deus, não somente os descendentes de Abraão e de Jacó (os simbólicos
cento e quarenta e quatro mil...), mas também “a multidão imensa de gente de
todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar” (Ap.
7,4.9).
Todos os seres humanos, e cada um
segundo suas especificidades, são acolhidos entre os “escolhidos” por Deus. O
Cordeiro que está junto de Deus, com seu sangue resgatou todo ser vivente (Ap.
7,13). No Cordeiro, o original projeto de Deus voltou às suas origens, e a seu
cumprimento, ao mesmo tempo. A confluência no novo povo de Deus no dia de
Pentecostes, por parte de alguns judeus e de membros dos povos pagãos (cf. At.
2,1-11), constitui uma antecipação e uma profecia da universal convergência na
casa de Deus de todos os povos, na Jerusalém celeste.
A Igreja, afirma a constituição Lumen
Gentium, “é em Cristo como que o sacramento ou sinal e instrumento da
intima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). Enquanto
continua peregrinando no tempo e nas vicissitudes humanas, ela nos oferece, na
luz da fé e na celebração da sagrada liturgia, uma antecipação da realidade
plena que o Espírito do Senhor está misteriosamente construindo dentro das
pessoas, das culturas e das experiências humanas de sabedoria espiritual.
A peregrinação da Igreja chegará à sua
meta definitiva, e a liturgia provisória da terra cederá seu lugar à liturgia
celeste e perene, que é o cântico de louvor dos salvados. Todos os justos desde
Adão, “do justo Abel até o último eleito”, serão congregados junto ao Pai na
Igreja universal (são Gregório Magno, Hom in Ev, 19,1; LG 2).
A memória dos defuntos e a solenidade
de todos os santos nos oferecem de antemão um generoso antegozo desta realidade
escatológica. Elas nos empenham a nos tornarmos promotores de comunhão e de
paz, entre as pessoas, as culturas, as religiões.
As duas celebrações interpretam,
juntas, a realidade profunda de toda vida cristã: “Vede que grande presente de
amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o
somos!...caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se
manifestou o que seremos! (1Jo 3,1-2 - 2ª leitura).
Este é o tesouro precioso que os “puros
de coração” conseguem vislumbrar desde já e que alcançarão no reino de Deus.
Esta é a herança divina reservada aos “pobres em espírito” (Mt. 5,3.8 – evangelho).
Conscientes dos nossos limites, mas
animados pela esperança suscitada ao contemplar a nova humanidade que segue
cantando o Cordeiro na Jerusalém celeste, juntos com a humanidade inteira
imploramos ao Senhor: ”que a vossa graça nos santifique na plenitude do vosso
amor, para que, desta mesa de peregrinos, passemos ao banquete do vosso reino”
(Oração depois da comunhão).
dom Emanuele Bargellini
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O sermão da montanha – Felizes os pobres...
Jesus
chama-nos para a prática do amor que provoca vida: “Sede santos, porque o vosso
Pai do Céu é Santo”.
A
construção da santidade acontece pela fidelidade contínua à vontade de Deus. À
semelhança de Jesus, o cristão deve buscar a santidade na atitude de amor ao
Senhor e aos seus irmãos e irmãs.
A
celebração da Eucaristia, Páscoa do Senhor, coloca-nos diante do compromisso
com o evangelho, que deve provocar em nós a conversão e a pureza de coração.
Busquemos com firmeza, em Jesus, a vida de santidade.
"O
louvor, a glória, a sabedoria, a ação de graças, a honra, o poder e a força
pertencem ao nosso Deus, para sempre" (Ap. 7,12).
Em
atitude de profunda adoração da Santíssima Trindade, unimo-nos a todos os
Santos que celebram perenemente a liturgia celeste para reiterarmos com eles a
ação de graças ao nosso Deus pelas grandes obras por Ele realizadas na história
da salvação.
Louvor
e ação de graças a Deus por ter suscitado na Igreja uma imensa plêiade de
Santos, que ninguém pode enumerar (cf. Ap. 7,9). Uma imensa plêiade: não só os
Santos e os Beatos que festejamos durante o ano litúrgico, mas também os Santos
anônimos que só Ele conhece. Mães e pais de família que, na dedicação diária
aos filhos, contribuíram eficazmente para o crescimento da Igreja e a
edificação da sociedade; sacerdotes, religiosas e leigos que, como candeias
acesas diante do altar do Senhor, se consumaram no serviço ao próximo
necessitado de assistência material e espiritual; missionários e missionárias,
que deixaram tudo para levar o anúncio evangélico a todas as partes do mundo. E
a lista poderia continuar.
Louvor
e ação de graças a Deus, de maneira particular pela mais santa de todas as
criaturas, Maria, amada pelo Pai, abençoada por causa de Jesus, fruto do seu
seio, santificada e renovada como criatura pelo Espírito Santo. Modelo de
santidade por ter colocado a própria vida à disposição do Altíssimo, Ela
"brilha como sinal de esperança segura e de consolação aos olhos do Povo
de Deus peregrino" (Lumen
gentium, 68).
A
hodierna liturgia fala unicamente de santidade. Porém, para sabermos qual é o
caminho da santidade, devemos subir com os Apóstolos ao monte das
Bem-Aventuranças, aproximar-nos de Jesus e colocar-nos à escuta das palavras de
vida que saem dos seus lábios. Também hoje Ele nos repete: Bem-aventurados os
pobres em espírito, porque possuirão o reino dos céus! O Mestre divino proclama
"beatos" e, poderíamos dizer, "canoniza" em primeiro lugar
os pobres em espírito, ou seja, aqueles que têm o coração livre de preconceitos
e condicionamentos e por isso são totalmente disponíveis à vontade divina. A
adesão integral e confiante a Deus supõe o despojamento e o desapego coerente
de si mesmo.
Bem-aventurados
os aflitos! É a bem-aventurança não só daqueles que sofrem pelas inumeráveis
misérias inerentes à condição humana mortal, mas também de quantos aceitam com
coragem os sofrimentos derivantes da profissão sincera da moral evangélica.
Bem-aventurados
os puros de coração! São proclamados ditosos aqueles que não se contentam com a
pureza exterior ou ritual, mas procuram a absoluta retidão interior que exclui
qualquer mentira e ambigüidade.
Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça! A justiça humana já é uma meta excelsa, que
enobrece o ânimo de quem a procura, mas o pensamento de Jesus tem em vista a
justiça mais elevada, que consiste na busca da vontade salvífica de Deus: feliz
é sobretudo quem tem fome e sede desta justiça. Com efeito, Jesus diz: "Só
entrará [no Reino do Céu] aquele que põe em prática a vontade do meu Pai que
está no Céu" (Mt. 7,21).
Bem-aventurados
os misericordiosos! Ditosos são aqueles que vencem a dureza de coração e a
indiferença, para reconhecerem de forma concreta a primazia do amor compassivo
a exemplo do Bom Samaritano e, em última análise, do Pai "rico em
misericórdia" (Ef. 2,4).
Bem-aventurados
os pacificadores! A paz, síntese dos bens messiânicos, constitui uma tarefa
exigente. Num mundo que apresenta tremendos antagonismos e obstáculos, é
necessário promover uma convivência fraterna inspirada no amor e na partilha,
superando inimizades e contrastes. Felizes aqueles que se comprometem neste
nobilíssimo empreendimento.
Os
Santos levaram a sério estas palavras de Jesus. Acreditaram que a
"felicidade" haveria de lhes advir se a traduzissem concretamente na
sua própria existência. E experimentaram a sua verdade no confronto quotidiano
com a experiência: não obstante as provações, as obscuridades e as adversidades,
saborearam já aqui na terra a profunda alegria da comunhão com Cristo. N'Ele
descobriram, presente no tempo, o gérmen inicial da futura glória do Reino de
Deus.
Foi
o que descobriu, em particular, Maria Santíssima, que com o Verbo encarnado viveu
uma comunhão singular, confiando-se incondicionalmente ao Seu desígnio
salvífico. Por isso, foi-lhe dado escutar, antes do "sermão da
montanha", a bem-aventurança que resume todas as outras:
"Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor
lhe prometeu" (Lc. 1,45).
A
profundidade da fé da Virgem na palavra de Deus transparece com clarividência
no cântico do Magnificat: "A minha alma proclama a grandeza do Senhor / e
o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador / porque olhou para a humilhação
da sua Serva" (Ibid., vv. 46-48).
Com
este cântico, Maria mostra o que constituiu o fundamento da sua santidade: a
profunda humildade. Podemo-nos perguntar em que consistia esta sua humildade. A
este respeito, é muito eloqüente a "preocupação" que a saudação do
anjo lhe suscitou: "Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está
contigo!" (Ibid. v. 28) Diante do mistério da graça, da experiência de uma
especial presença de Deus, que lhe dirigiu o Seu olhar, Maria sente um natural impulso
de humildade (literalmente, de "submissão"). É a reação da pessoa que
tem plena consciência da própria pequenez diante da grandeza de Deus. Na
verdade, Maria contempla-se a si mesma, os outros e o mundo.
Não
foi por acaso sinal de humildade a pergunta: "Como vai acontecer isto, se
não vivo com nenhum homem?" (Ibid., v. 34)? Ela acabara de ouvir que devia
conceber e dar à luz uma Criança, que haveria de reinar no trono de David como
Filho do Altíssimo. Sem dúvida, ela não compreendeu plenamente o mistério daquela
disposição divina, mas entendeu que significava uma transformação total na
realidade da sua vida. Todavia, não perguntou: será verdadeiramente assim? Deve
acontecer isto? Mas disse com simplicidade: Como vai acontecer? Sem dúvidas e
de forma incondicional, aceitou a intervenção divina que mudava a sua
existência. A sua pergunta exprimia a humildade da fé, a disponibilidade para
pôr a própria vida ao serviço do mistério divino, apesar da incapacidade de
compreender o modo da sua realização.
Esta
humildade do espírito, esta completa submissão na fé, expressou-se de maneira
particular no seu "fiat". "Eis a escrava do Senhor. Faça-se em
mim segundo a tua palavra" (Ibid., v. 38). Graças à humildade de Maria,
pôde realizar-se aquilo que em seguida Ela teria entoado no Magnificat":
"Doravante todas as gerações me felicitarão / porque o Todo-Poderoso
realizou grandes obras em meu favor / o seu Nome é santo" (Ibid., vv.
48-49).
É
à profundidade da humildade que corresponde a grandeza do dom. O Onipotente
realizou "grandes obras" em seu favor (cf. Ibid., v. 49) e Ela soube
aceitá-las com gratidão e transmiti-las a todas as gerações dos fiéis. Eis o
caminho rumo ao céu percorrido por Maria, Mãe do Salvador, precedendo neste
caminho todos os Santos e Beatos da Igreja.
Bem-aventurada
és tu, ó Maria, assunta ao céu em alma e corpo! Pio XII definiu esta verdade
"para a glória de Deus Onipotente... em honra do seu Filho, Rei imortal
dos séculos e vencedor do pecado e da morte, para a maior glória da sua Mãe,
para alegria e exultação de toda a Igreja" (Constituição ApostólicaMunificentissimus Deus, AAS
42 [1950], pág. 770).
E
nós exultamos, Maria Assunta, na contemplação da tua pessoa glorificada e, em
Cristo ressuscitado, tornada colaboradora do Espírito para a comunicação da
vida divina aos homens. Em ti vemos a meta da santidade para a qual Deus chama
todos os membros da Igreja. Na tua vida de fé vemos a clara indicação do
caminho rumo à maturidade espiritual e à santidade cristã.
Contigo
e com todos os Santos, glorificamos a Deus Trindade, que ampara a nossa
peregrinação terrestre e vive e reina nos séculos dos séculos!
papa João Paulo II
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A celebração eucarística convida-nos a
compartilhar o júbilo celeste dos santos, a saborear a sua alegria. Os santos
não são uma exígua casta de eleitos, mas uma multidão inumerável, para a qual a
liturgia de hoje nos exorta a levantar o olhar. Eles são uma multidão, não
correspondem somente os santos oficialmente reconhecidos, mas os batizados de
todas as épocas e nações, que procuraram cumprir com amor e fidelidade a
vontade divina.
Nesta
solenidade de hoje, a Igreja festeja a sua dignidade de "mãe dos santos,
imagem “civita dei" (Agostinho), e manifesta a sua beleza de esposa
imaculada de Cristo, nascente e modelo de toda a santidade (Lumem gentium,
48). Não falta santos na Igreja, não obstante existe diversos faltosos e
rebeldes. Para Bento XVI “é nos santos que a Igreja reconhece os seus traços
característicos, e precisamente neles saboreia a sua glória mais profunda”.
Nesse
dia a Igreja militante (aquela que caminha neste mundo)
honra a Igreja triunfante do céu celebrando numa única solenidade todos os
santos. É como diz a oração da pós comunhão da missa: para que nesta mesa de peregrinos, passemos ao
banquete do vosso Reino”. Essa solenidade é para render homenagem aquela
multidão de santos que povoam o Reino dos céus que são João viu no Apocalipse: “Ouvi então o número dos
assinalados: cento e quarenta e quatro mil assinalados, de toda tribo dos
filhos de Israel… Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia
contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do
trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão,”. Estes eram os
sobreviventes da grande tribulação; lavaram as suas vestes e as alvejaram
no sangue do Cordeiro.” (cf. Ap. 7,4-14)
Esta
imensa multidão de 144 mil, “que está diante do Cordeiro” compreende todos os
servos de Deus, ao qual a Igreja canoniza através da decisão
infalível do papa, e todos aqueles, incontáveis, que conseguiram a salvação, e
que desfrutam da visão beatífica de Deus. Este povo compreende os santos do
Antigo Testamento, a partir do justo Abel e do fiel patriarca Abraão, os do
Novo Testamento, os numerosos mártires do início do cristianismo e também os
beatos e os santos dos séculos seguintes, até as testemunhas de Cristo desta
nossa época. Todos eles são irmanados pela vontade de encarnar o Evangelho na
sua existência, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus, que é o Espírito
Santo.
Mas
"para que servem o nosso louvor aos santos, o nosso tributo de glória,
esta nossa solenidade?". Com esta interrogação tem início uma famosa
homilia de são Bernardo para o dia de todos os Santos. Ele conclamava seus
confrades a imitação dos santos no que corresponde ao desejo de ver a Deus e
ficar com Ele. O santo dizia: "Bem-aventurados os limpos de coração, e
verdadeiramente bem-aventurados, porque eles verão aquela face divina, a qual
os anjos sempre estão vendo e sempre estão desejando ver. A vós, Senhor, diz o
meu coração: nenhuma coisa desejo, senão ver-vos de face a face, porque nenhuma
outra há para mim, nem na terra nem no mesmo céu. Desmaia o meu coração nas
ânsias deste desejo, porque só o Deus do meu coração é o único e todo o bem que
o pode satisfazer. E quando chegará aquela ditosa hora em que, com a vista de
vosso rosto, fique satisfeito? Mas, ai de mim — diz são Bernardo — que pela
pouca limpeza de meu coração — quero-o dizer com as suas próprias palavras — ai
de mim, que a impureza e imundícia de meu coração impede-me e faz indigno de
ser admitido àquela bem-aventurada vista!" Ora, se isto dizia de si um
coração tão puro, um coração tão santo, um coração tão elevado, tão estático,
tão seráfico e tão abrasado no amor divino, se isto dizia no coração de
Bernardo a humildade, que dirá noutros corações a verdade? Se o corpo estiver
no claustro, e o coração no mundo? Se o coração, depois de se dar a Deus,
estiver sacrificado ao ídolo? Se o coração, que devera estar cheio de caridade
e amor de Deus, estiver ardendo em amor que não é caridade? Se as palavras, que
saem do coração, e os pensamentos, que não saem, forem envoltos em impureza? Ai
de tal coração e de quem o tem. Eis, portanto, o significado da solenidade
hodierna: contemplando o exemplo luminoso dos santos, despertar em nós o grande
desejo de ser como os santos: felizes por viver próximos de Deus, na sua luz,
na grande família dos amigos de Deus. Ser santo significa: viver na intimidade
com Deus, viver na sua família. Esta é a vocação de todos nós, reiterada com
vigor pelo Concílio Vaticano II, no capítulo V da Lumen gentium.
A
mesma “Lúmen gentium” do Vaticano II, lembra que: “Pelo fato de os
habitantes do Céu estarem unidos mais intimamente com Cristo, consolidam com
mais firmeza na santidade toda a Igreja. Eles não deixam de interceder por nós
junto ao Pai, apresentando os méritos que alcançaram na terra pelo único
mediador de Deus e dos homens, Cristo Jesus.
Por seguinte, pela fraterna solicitude deles, a nossa fraqueza recebe o mais
valioso auxílio” (LG 49). Com esta mesma convicção, na hora da morte, sao
Domingos de Gusmão dizia a seus frades: “Não choreis! Ser-vos-ei mais útil após
a minha morte e ajudar-vos-ei mais eficazmente do que durante a minha vida”. E
santa Teresinha confirmava este ensino dizendo: “Passarei meu céu fazendo bem
na terra”.
Mas
como alcançar esta tão sonhada santidade dos bem-aventurados? Para ser santo
não é necessário realizar ações nem obras extraordinárias, nem possuir carismas
excepcionais, nem ser adivinhos e videntes.para ser santo é preciso, sobretudo
ouvir Jesus e depois segui-lo sem desanimar diante das dificuldades. "Se
alguém me serve Ele admoesta-nos que me siga, e onde Eu estiver, ali estará
também o meu servo. Se alguém me servir, o Pai há de honrá-lo" (Jo
12,26)Quem nele confia e o ama com sinceridade, como o grão de trigo sepultado
na terra, aceita morrer para si mesmo. Com efeito, Ele sabe que quem procura
conservar a sua vida para si mesmo, perdê-la-á, e quem se entrega, se perde a
si mesmo, precisamente assim encontra a própria vida (cf. Jo 12,24-25).
A
experiência da Igreja demonstra que cada forma de santidade, embora siga
diferentes percursos, passa sempre pelo caminho da cruz, pelo caminho da
renúncia a si mesmo. As biografias dos santos descrevem homens e mulheres que,
dóceis aos desígnios divinos, enfrentaram por vezes provações e sofrimentos
indescritíveis, perseguições e o martírio. Perseveraram no seu compromisso,
"vêm da grande tribulação lê-se no Apocalipse lavaram as suas túnicas e
branquearam-nas no sangue do Cordeiro" (Ap. 7,14). Os seus nomes estão
inscritos no livro da Vida (cf. Ap. 20,12); a sua morada eterna é o Paraíso. O
exemplo dos santos constitui para nós um encorajamento a seguir os mesmos
passos, a experimentar a alegria daqueles que confiam em Deus, porque a única
verdadeira causa de tristeza e de infelicidade para o homem é o fato de viver
longe de Deus.
A
santidade exige um esforço constante, mas é possível para todos porque, mais do
que uma obra do homem, é sobretudo um dom de Deus, três vezes Santo (cf. Is.
6,3). Na segunda Leitura, o Apóstolo João observa: "Vede que amor tão
grande o Pai nos concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e,
realmente, o somos!" (1Jo 3,1). Portanto, é Deus que nos amou primeiro e,
em Jesus, nos tornou seus filhos adotivos. Na nossa vida tudo é dom do seu
amor: como permanecer indiferente diante de um mistério tão grande? Como deixar
de responder ao amor do Pai celestial, com uma vida de filhos reconhecidos? Em
Cristo, entregou-se inteiramente a nós e chama-nos a um profundo relacionamento
pessoal com Ele. Portanto, quanto mais imitarmos Jesus e permanecermos unidos a
Ele, tanto mais entraremos no mistério da santidade divina.
Assim,
o caminho para tudo isso é buscar ardentemente ser um bem-aventurado. Jesus é o
Santo principal, é através dele que toda santidade eclesial sustenta seu
alicerce. Com efeito, Ele é o verdadeiro pobre de espírito, o aflito, o manso,
aquele que tem fome e sede de justiça, o misericordioso, o puro de coração, o
pacificador; Ele sofre perseguição por causa da justiça. As Bem-Aventuranças
revelam-nos a fisionomia espiritual de Jesus e assim exprimem o seu mistério, o
mistério da Morte e da Ressurreição, da Paixão e da alegria da Ressurreição.
Este mistério, que é mistério da verdadeira bem-aventurança, convida-nos ao seguimento
de Jesus e, deste modo, ao caminho que conduz a ela. Na medida em que aceitamos
a sua proposta e nos colocamos no seu seguimento cada qual nas suas próprias
circunstâncias também nós podemos participar das Bem-Aventuranças. Juntamente
com Ele, o impossível torna-se possível e até um camelo pode passar pelo fundo
de uma agulha (cf. Mc. 10,25); com a sua ajuda, somente com a sua ajuda podemos
tornar-nos perfeitos como é perfeito o Pai celeste (cf. Mt. 5,48).
padre Fantico Nonato Silva Borges, CM
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